Índice

1. ASPECTOS GERAIS

O gás natural ocorre na natureza comumente associado ao petróleo e corresponde a uma mistura de hidrocarbonetos leves e outros compostos químicos orgânicos e inorgânicos (Selley 1998). Embora ainda não seja tão amplamente utilizado quanto o petróleo, o gás natural representa o terceiro combustível fóssil mais consumido no mundo e sua aplicação se estende tanto na geração de energia elétrica, quanto na atividade industrial, transporte, consumo doméstico e comercial. Sua importância como fonte energética vem crescendo cada vez mais, uma vez que apresenta boa eficiência e sua queima emite quantidades consideravelmente menores de poluentes e gases do efeito estufa, quando comparado aos demais combustíveis fósseis disponíveis na natureza.

Apesar de não existirem campos produtores de gás natural em Minas Gerais, esforços combinados entre o governo do estado, a União e a inciativa privada permitiram a recente retomada das atividades de exploração de hidrocarbonetos em seu território. Tais atividades se concentram na Bacia do São Francisco, compartimento geológico que ocupa cerca de 1/3 do estado (Figura 1) e apresenta um extenso histórico de indícios e descobertas de gás natural, todos associados às suas coberturas sedimentares de idade proterozoica.

Figura 1. A Bacia geológica do São Francisco no estado de Minas Gerais, principais estradas de acesso e rede de gasodutos. Limite geológico baseado em Alkmim & Martins-Neto (2001). Capitais: BH – Belo Horizonte; SP – São Paulo; RJ – Rio de Janeiro; VI – Vitória. Distrito Federal: BSB – Brasília. Cidades: Ub – Uberlândia; Tm – Três Marias; Jn – Januária.

Embora a bacia ainda seja considerada uma área de fronteira e muitas das suas características geológicas continuem relativamente incompreendidas, tais descobertas sugerem um sistema petrolífero efetivo com potencial para hidrocarbonetos gasosos (e.g., Reis et al. 2013). Nos capítulos seguintes, são apresentados os principais aspectos geológicos da Bacia do São Francisco, ocorrências de gás natural associadas e o estado da arte de seu sistema petrolífero. Visando uma melhor compreensão destes elementos, tais informações e discussões são precedidas de uma breve revisão sobre as características do gás natural, contexto histórico, aplicações e origem geológica. Ao final do capítulo, são apresentados alguns aspectos e potenciais econômicos relativos à produção e distribuição de gás natural em Minas Gerais.

2. HIDROCARBONETOS: UM breve contexto histórico e geopolítico do petróleo e gás natural

Hidrocarbonetos são compostos orgânicos formados exclusivamente por átomos de hidrogênio (H) e carbono (C), que ocorrem naturalmente nas fases gasosa, líquida e sólida e correspondem aos principais constituintes do petróleo e gás natural (Carey 2017). Embora sua utilização como insumos na construção naval, medicina e atividade bélica seja documentada desde o sec. V a.C., apenas em meados do século XX os hidrocarbonetos derivados do petróleo e gás natural assumiram o protagonismo na matriz econômica mundial (Selley 1998, Hall et al. 2003). Antes disso, estes compostos eram extraídos localmente em exsudações naturais (seepages) e poços rasos perfurados em diversas áreas pelo mundo, em especial, no Oriente Médio onde este recurso é abundante. Descrições de Heródoto em torno de 450 a.C. já relatavam exsudações de óleo na Tunísia e na Grécia, além da extração de petróleo através de poços no Oriente Médio (Selley 1998).

Nos dias de hoje, petróleo e gás natural desempenham um importante papel na estrutura econômica, geopolítica e sociocultural mundial, sendo amplamente utilizados na fabricação de combustíveis e inúmeros produtos e bens de consumo (Hall et al. 2003). A ascensão destes recursos como principais fontes energéticas ao longo das últimas décadas ocorreu, sobretudo, após a I Revolução Industrial (secs. XVIII a XIX), quando o desenvolvimento de máquinas a vapor culminou na dependência crescente de combustíveis fósseis (inicialmente, o carvão mineral). À época, o óleo de baleia já era utilizado na iluminação, como lubrificante, na fabricação de velas, confecção de tecidos, vernizes, tintas, entre outros (e.g., Comerlato 2010).

Com o avanço da demanda energética, o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias, a necessidade de substituição do óleo de baleia (cada vez menos abundante) e diversos acontecimentos políticos e econômicos que permearam os secs. XIX e XX, o mundo passou a depender cada vez mais de hidrocarbonetos líquidos e gasosos. Um dos principais fatores condicionantes desta dependência foi o desenvolvimento de motores a combustão interna entre 1870 e 1890 (Selley 1998), os quais representaram um grande salto tecnológico em termos de eficiência e capacidade de conversão energética. Paralelamente, o desenvolvimento de técnicas apropriadas para controlar a combustão do gás natural e a construção de gasodutos permitiu a expansão das aplicações deste recurso como fonte de calor na indústria e no consumo doméstico. A partir deste momento, a produção de hidrocarbonetos assumiu um crescimento acelerado na América e no resto do mundo, sobretudo, Oriente Médio e Rússia. Nos anos 1970, após as mudanças impostas pela primeira e segunda guerra, a economia mundial já se mostrava completamente dependente dos hidrocarbonetos. Dessa forma, o petróleo se consolidava como elemento crucial por trás de grandes conflitos, bem como junto às sucessivas crises e retomadas associadas ao sistema econômico atual (Hall et al. 2003) (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Histórico de produção de hidrocarbonetos líquidos ao longo dos séculos XX e XXI e sua relação com alguns dos principais eventos geopolíticos que ocorreram neste período. Modificado de Rodrigue (2013) e British Petroleum (2013).

Atualmente, mesmo diante do aumento significativo da participação dos recursos energéticos renováveis (ex.: eólica, solar, hidrelétrica), os combustíveis fósseis continuam representando as principais fontes energéticas. Dados publicados no BP Statistical Review of World Energy de 2016 (British Petroleum 2016) mostram que petróleo, carvão mineral e gás natural representavam em 2015 33%, 28% e 24% do consumo energético total mundial, respectivamente. Este cenário vem passando por alterações devido à diminuição gradual do uso do carvão mineral e a viabilização econômica de grandes volumes de recursos não convencionais de hidrocarbonetos nos Estados Unidos (ocorrida no início dos anos 2000). Tais fatores tem desencadeado importantes mudanças no setor energético e colocado o gás natural em posição cada vez mais privilegiada no cenário econômico mundial (Slaughter 2013, U.S. Energy Information Administration 2017). Algumas destas mudanças, entretanto, se viram ameaçadas diante das sucessivas crises econômicas que atingem o mundo desde 2007/08 e que, juntamente com a queda na demanda e mudanças nas políticas internacionais, culminou na queda brutal dos preços do petróleo ao longo dos últimos anos (Figura 3). Em um de seus piores momentos recentes, o preço do barril de petróleo chegou a atingir patamares próximos a US$ 30 no início de 2016.

Figura 3. Histórico de preços do barril de petróleo (US$) e sua relação com eventos econômicos, geopolíticos e históricos no período entre 1860 e 2016. A curva vermelha representa o preço nominal do barril e a curva azul os valores corrigidos para índices de 2016 (British Petroleum 2016).

Um importante aspecto que vem ganhando crescente relevância desde a ascensão dos hidrocarbonetos e demais combustíveis fósseis na matriz econômica mundial se refere à pressão que a exploração e utilização destes recursos exercem sobre o meio ambiente. Resíduos produzidos pela utilização de hidrocarbonetos são introduzidos continuamente em sistemas naturais através da queima dos combustíveis fósseis, do descarte de produtos químicos e petroquímicos derivados do óleo e gás natural e de desastres ambientais associados à sua exploração e transporte. A queima de combustíveis fósseis, em especial petróleo e carvão mineral, vem paralelamente alimentando um profundo debate sobre mudanças climáticas globais e o papel da atividade antrópica na alteração do Sistema Terra. Estes aspectos têm exercido grande pressão sobre a utilização de recursos com alto potencial poluente, como o carvão mineral, e incentivado o crescimento de mercados de energia limpa, como eólica e solar. No cenário dos combustíveis fósseis, o gás natural vem ganhando espaço cada vez maior devido ao seu menor potencial de emissão de compostos tóxicos e gases do efeito estufa (U.S. Energy Information Administration 2016).

3. GÁS NATURAL

3.1. Composição química, características físicas e origem

O gás natural é um composto dominantemente formado por hidrocarbonetos leves da série parafínica (alcanos), que ocorrem muitas vezes associados a CO2, N, O2, CO, H2, H2S e gases nobres (Selley 1998, Chilingar et al. 2005). Dentre os hidrocarbonetos, o metano (CH4) representa o principal constituinte do gás natural, seguido do etano (C2H6), propano (C3H8), butano (C4H10), pentano (C5H12) e seus respectivos isômeros. Hexano e alcanos mais pesados são relativamente incomuns. Os compostos parafínicos apresentam fórmula química geral CnH2n+2 e sua estrutura é mostrada na Figura 4. Em condições atmosféricas, praticamente todos os hidrocarbonetos presentes no gás natural encontram-se em estado gasoso. Constituem compostos apolares e, por se tratarem de hidrocarbonetos da série parafínica, moléculas saturadas. Suas densidades, pontos de ebulição e demais características físicas tendem a variar de acordo com sua composição e estrutura.

Figura 4. Estrutura molecular dos principais hidrocarbonetos constituintes do gás natural.

Em bacias sedimentares, o gás natural pode ocorrer junto a reservatórios subsuperficiais e de três formas distintas: i) dissolvido em petróleo (dissolved gas), ii) em contato e formando capas gasosas sobre as acumulações de hidrocarbonetos líquidos (associate gas) ou iii) na forma do hidrocarboneto dominante (nonassociate gas). Embora sua origem seja tipicamente relacionada à degradação termoquímica de rochas ricas em matéria orgânica (origem termogênica), hidrocarbonetos gasosos também podem ser gerados por processos relacionados ao metabolismo de bactérias (origem biogênica), bem como à decomposição química de hidrocarbonetos líquidos ou outros processos puramente inorgânicos (e.g., Schoell 1980, Sherwood Lollar et al. 2002, Hao & Zou 2013).

Em geral, a composição do gás natural em reservatórios subsuperficiais varia em função de fatores como o tipo de origem (termogênica, biogênica ou inorgânica), a qualidade e composição das rochas geradoras, características das rochas hospedeiras, maturidade térmica, história de migração, interação com outros fluidos bacinais e degradação por bactérias em subsuperfície (e.g., Schoell 1980, Whiticar 1999, Hao & Zou 2013). Por exemplo, gases com histórico termal mais severo tendem a exibir razões elevadas entre metano e demais hidrocarbonetos (C1/C2+), sendo denominados gases secos. De forma similar, a razão entre butano e pentano e seus respectivos isômeros (Hao & Zou 2013) e as concentrações de nitrogênio (Zhu et al. 2000) tendem a apresentar uma correlação positiva com a maturação termal. Por outro lado, gases biogênicos exibem proporções de metano consideravelmente mais elevadas e razões isotópicas δ13Cmetano e δDmetano menores que gases termogênicos, independentemente da sua maturidade termal (e.g., Bernard et al. 1976, Schoell 1980, Whiticar 1999; Figura 5).

Figura 5. Diagrama de Bernard mostrando a relação entre a composição e assinatura isotópica de hidrocarbonetos gasosos e sua origem, história de migração e oxidação (Bernard et al. 1976).

3.2. Uso e aplicações

O gás natural é utilizado, sobretudo, na geração de energia através da queima em usinas termoelétricas. Em geral, seu uso para esta finalidade é favorecido pela boa eficiência energética e menor taxa de emissão de CO2, o que torna sua utilização menos nociva para o meio ambiente em comparação com outros combustíveis fósseis. Adicionalmente, constitui matéria-prima na indústria petroquímica, na fabricação de fertilizantes, no transporte e consumo doméstico.

De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no Brasil o gás natural é utilizado principalmente na geração elétrica (termoelétricas) e consumo industrial. Constitui matéria-prima na indústria petroquímica, onde é utilizado na fabricação de plásticos, tintas, fibras sintéticas e borracha, e na indústria de fertilizantes, onde é utilizado na produção de ureia, amônia e derivados. Adicionalmente, é muito utilizado como combustível veicular na forma de GNV (mistura de gás natural e biometano, com CH4 como componente principal) e no consumo comercial e doméstico como gás de cozinha. A qualidade do gás natural comercializado e consumido no Brasil é regulada pela Resolução ANP n° 16/2008 (ANP 2008), que considera parâmetros como calor específico, índice de Wobbe, número de metano, pontos de orvalho de água (POA) e hidrocarbonetos (POH). Gases inorgânicos e orgânicos associados aos hidrocarbonetos como N2, CO2, H2S e O2 são considerados contaminantes.

3.3. Sistema Petrolífero: a Geologia e a exploração do gás natural

Assim como o petróleo, acumulações de gás natural são encontradas na natureza em subsuperfície, dominantemente preenchendo poros e fraturas de rochas sedimentares (clásticas e químicas). Acumulações desta natureza podem ser geradas em bacias sedimentares a partir da maturação termal de rochas ricas em matéria orgânica, em processos que comumente se estendem por milhões de anos. Quando encontram as condições geológicas adequadas, estes hidrocarbonetos migram ao longo da porção superior da crosta terrestre e se acumulam em áreas que futuramente corresponderão aos campos de óleo e/ou gás natural (Figura 6). O conjunto de elementos e processos geológicos relacionados à geração e acumulação de hidrocarbonetos constitui o chamado sistema petrolífero (Magoon & Dow 1994). Em linhas gerais, o sistema petrolífero traça a conexão genética entre rochas geradoras e todas as ocorrências de hidrocarbonetos relacionadas, no contexto evolutivo de bacias sedimentares.

Figura 6. Sistema Petrolífero: elementos, processos e evolução. Extraído de Al-Hajeri et al. (2009).

Na exploração de hidrocarbonetos, os termos prospecto e play se relacionam diretamente ao sistema petrolífero e à natureza tectono-estratigráfica da bacia sedimentar. De forma sucinta, o prospecto pode ser entendido como uma armadilha que deve ser avaliada quanto ao seu potencial para petróleo e gás natural. O play, por outro lado, representa o conjunto de prospectos que carregam similaridades em termos de elementos e processos do sistema petrolífero, bem como potencial exploratório no âmbito de uma bacia sedimentar (e.g., Magoon & Dow 1994).

Constituem elementos essenciais do sistema petrolífero a i) rocha geradora, ii) rocha reservatório, iii) rochas selantes e iv) rochas de sobrecarga (overburden rocks). Por outro lado, seus principais processos correspondem à geração-migração-acumulação, desenvolvimento das trapas e preservação dos hidrocarbonetos no tempo geológico (e.g., Magoon & Dow 1994, Selley 1998) (Figura 6). A relação entre estes elementos e processos, em geral, é sintetizada nas cartas do sistema petrolífero. Tais cartas apresentam os aspectos gerais de cada elemento e processo no tempo e sua relação com os principais eventos evolutivos responsáveis pelo desenvolvimento das bacias sedimentares hospedeiras. Abaixo, são apresentadas as características sucintas dos principais elementos e processos associados ao sistema petrolífero.

Rochas reservatório armazenam os hidrocarbonetos líquidos e gasosos. Em sua maioria, correspondem a rochas sedimentares carbonáticas ou siliciclásticas que apresentam boa porosidade e permeabilidade (Figura 7). Embora documentados na literatura e indústria (Selley 1998), casos em que rochas metamórficas e ígneas permo-porosas desempenham o papel de rocha reservatórios são menos comuns.

Figura 7. Exemplo de rocha carbonática vista ao microscópio e exibindo boa porosidade. Os cristais dominantemente romboétricos correspondem ao mineral dolomita e as porções em azul destacam a porosidade. Dolomito do Grupo Macaé, Cretáceo da Bacia de Santos. Reproduzido de Terra et al. (2010).

A combinação entre porosidade e permeabilidade é de fundamental importância para um bom reservatório, sendo a primeira responsável pelo armazenamento de petróleo e/ou gás natural e a segunda pela conectividade geral e transmissibilidade do sistema. Em reservatórios convencionais, a porosidade é comumente superior a 10% e pode ser do tipo primária (ex.: intergranular e relacionada a processos deposicionais) ou secundária (ex.: vugular e de fratura, relacionada a processos de dissolução e/ou tectônicos pós-deposicionais). Nestes reservatórios, a permeabilidade média varia no intervalo entre um e centenas de miliDarcys (Selley 1998). As principais técnicas aplicadas para a aferição das características e qualidades permo-porosas de um intervalo rochoso são a petrografia e a petrofísica (baseada em dados de perfilagem geofísica de poços, análises de porosidade e permeabilidade em testemunhos, entre outros).

Rochas geradoras são rochas originalmente ricas em matéria orgânica (especialmente, C e H) que, quando submetidas a condições ideais de temperatura, são capazes de produzir quantidades variáveis de petróleo e/ou gás natural. Usualmente, correspondem a rochas siliciclásticas e carbonáticas finas (ex.: argilito, folhelho, lamito, calcilutito), depositadas em condições favoráveis à preservação do conteúdo orgânico original. Em bacias sedimentares, após o soterramento de camadas ricas em compostos orgânicos, processos diagenéticos (envolvendo reações inorgânicas e atividade bacteriana) culminam na drástica diminuição volumétrica, expulsão de fluidos (CH4, CO2 e H2O) e na consequente formação do querogênio, unidade orgânica essencial de uma rocha geradora. À medida que a temperatura e pressão aumentam ao longo do processo de soterramento, estas rochas entram na fase da catagênese, liberando o petróleo e/ou gás natural para o sistema e se tornando cada vez mais empobrecidas em hidrogênio e carbono orgânico. Na fase seguinte, durante a metagênese, apenas resíduos de carbono orgânico tendem a sobrar (na forma de grafita) após a completa degradação termal dos compostos originais da rocha geradora.

De acordo com as suas características geoquímicas e origem, o querogênio pode ser classificado em quatro tipos principais (Selley 1998, Dembicki Jr. 2009) (Figura 8):

  • Tipo I – Apresenta razões H:C relativamente elevadas (> 1) e origem dominantemente algálica. O querogênio é comumente formado em ambientes lacustres (e eventualmente marinhos) anóxicos e exibe alto potencial de geração de petróleo (oil prone);
  • Tipo II – Apresenta razões H:C intermediárias e origem a partir de restos algálicos e materiais derivados de zooplânctons e fitoplânctons. É comumente formado a partir de sedimentos marinhos ricos em matéria orgânica e exibe potencial gerador para óleo e gás natural (oil and gas prone). Quando apresenta concentrações elevadas de S e teores de O relativamente baixos, é classificado como querogênio do Tipo IIS;
  • Tipo III – Apresenta razões H:C relativamente baixas (< 1), sendo tipicamente formada a partir de lignina derivada de plantas superiores terrestres. Apresenta baixo potencial de geração de petróleo e sua maturação origina gás natural (gas prone) e carvão mineral;
  • Tipo IV- Apresenta baixíssima razão H:C e baixíssimo potencial de geração de hidrocarbonetos. Corresponde a um resíduo da matéria orgânica original altamente alterada e/ou oxidada (Tissot & Welte 1984 in Dembicki Jr. 2009). Poderia ainda representar um resíduo do querogênio após sua completa degradação termal.

Figura 8. Diagramas de classificação de rochas geradoras de acordo com seu conteúdo em carbono e hidrogênio. Em (a) o diagrama relaciona o teor de carbono (% peso) à quantidade de hidrocarbonetos gasosos produzidos durante a pirólise (S2). Em (b), classificação do tipo de querogênio considerando o índice de hidrogênio (HI) e o índice de oxigênio (OI), ambos calculados a partir de parâmetros obtidos a partir da pirólise. Modificado de Dembicki Jr. (2009).

A avaliação de rochas geradoras geralmente é realizada através da aplicação combinada de análises geoquímicas, petrografia orgânica, análises petrofísicas, avaliação do conteúdo paleontológico, difratometria de raios-x (DRx), pirólise, entre outros (e.g., Peters & Cassa 1994, Dembicki Jr. 2009). Como um dos métodos mais utilizados, a pirólise fornece parâmetros que permitem conhecer a história termal da rocha geradora, bem como seu potencial gerador e conteúdo atual de C, H e O (Figura 8). Para uma boa avaliação destes intervalos, devem-se levar em conta todos estes parâmetros e sua evolução ao longo da história geológica, bem como a possibilidade de mistura entre diferentes tipos de querôgênio em um mesmo intervalo gerador (e.g., Dembicki Jr. 2009).

Rochas selantes constituem intervalos litológicos que apresentam porosidade e permeabilidade extremamente baixas, sendo capazes de reter vertical ou lateralmente hidrocarbonetos e fluidos associados. As características físicas destes elementos são estudadas, em especial, através da petrografia e petrofísica. As rochas que exercem a sobrecarga vertical sob a qual os intervalos geradores vão ser submetidos à maturação termal são genericamente chamadas de rochas de sobrecarga.

Ao longo da evolução das bacias sedimentares, os processos de soterramento culminam na maturação e expulsão de hidrocarbonetos dos intervalos geradores. Juntamente com os demais fluidos bacinais, estes hidrocarbonetos migram vertical e lateralmente ao longo de zonas rochosas permeáveis, usualmente fraturas, falhas e camadas permo-porosas (carrier beds) (Figura 6). O momento em que há a maior taxa de conversão do querogênio em hidrocarbonetos ao longo do processo de soterramento é chamado clímax do sistema petrolífero.

Os mesmos processos tectono-estratigráficos responsáveis pela formação dos elementos do sistema petrolífero, soterramento e migração dos hidrocarbonetos são muitas vezes responsáveis pelo desenvolvimento das trapas junto às quais os hidrocarbonetos e fluidos bacinais irão se acumular. Tais armadilhas podem ser classificadas em, pelo menos, três tipos: i) estratigráficas, ii) estruturais e iii) relacionadas à movimentação de evaporitos (halocinese) e camadas argilosas (argilocinese). As trapas correspondem a áreas de focalização de fluidos e comumente configuram elementos mistos, exibindo arranjos que combinam tanto características estratigráficas quanto estruturais (Figura 9). Em sistemas petrolíferos convencionais, trapas acumulam o gás natural e o petróleo junto às rochas reservatório através de mecanismos hidrodinâmicos. Estes hidrocarbonetos, por sua vez, são retidos lateral e verticalmente pelas rochas selantes. Nestas áreas, petróleo e gás natural ocorrem associados a fluidos da bacia sedimentar em contatos abruptos ou transicionais bem definidos. Em muitos casos, zonas de falha altamente deformadas e/ou muito cimentadas podem funcionar como selantes laterais ou verticais.

Figura 9. Exemplos de trapas comuns para o petróleo e gás natural. (a) Trapa estrutural em anticlinal, (b) Trapa estratigráfica associada à variação de lateral de fácies e de espessura, (c) Trapas associadas a domos de sal, (d) Trapa associada à falha, (e) Trapa estratigráfica associada à discordância e (f) Trapa estratigráfica associada a construções recifais. Modificado de Railsback (2017).

Compreender o(s) sistema(s) petrolífero(s) de uma bacia sedimentar constitui etapa fundamental na exploração de hidrocarbonetos e permite a predição e avaliação do risco geológico e chances de sucesso durante campanhas exploratórias. Tais atividades são atribuições fundamentais dos geólogos e geofísicos de exploração, que utilizam uma abordagem multidisciplinar e multiescala baseada em dados sísmicos, perfuração e perfilagem geofísica de poços profundos, levantamentos aerogeofísicos (ex.: magnético, gravimétrico, gamaespectrométrico) e levantamentos geológicos de superfície. De forma geral, em campanhas exploratórias bem -sucedidas, uma boa análise do sistema petrolífero tende a tornar o risco geológico menor à medida que o processo de pesquisa avança (Figura 10).

Figura 10. O processo de exploração, produção e distribuição de hidrocarbonetos e o risco geológico. O tempo relacionado às etapas destacadas na figura aumenta da esquerda para a direita. Em campanhas bem-sucedidas de exploração de petróleo e gás natural, após a compreensão do sistema petrolífero e avaliação dos primeiros prospectos, o risco geológico diminui consideravelmente.

3.3.1. Sistemas petrolíferos não convencionais

Ao longo dos últimos anos, a viabilização econômica dos chamados “sistemas petrolíferos não convencionais” nos Estados Unidos vem causando fortes mudanças na matriz energética mundial. Tal avanço permitiu a retomada do crescimento na produção de hidrocarbonetos no país norte-americano (em declínio desde os anos 80), além da abertura de inúmeras áreas de fronteira exploratória locais e em outras partes do mundo (e.g., Slaughter 2013; Figuras 11 e 12). Tanto os países do Oriente Médio quanto demais países americanos, europeus e asiáticos vem investindo na pesquisa e avaliação de fontes não convencionais de hidrocarbonetos. Embora as origens da exploração de sistemas não convencionais remontem ao sec. XIX (Selley 1998), a combinação de fatores geológicos, regulatórios, comerciais, relacionados às políticas governamentais, oferta de serviços e desenvolvimento tecnológico são usualmente vistos como fundamentais no processo recente de viabilização econômica destes recursos (Slaughter 2013).

Figura 11. Bacias sedimentares e áreas prospectivas para recursos não convencionais nos Estados Unidos em 2011, de acordo com a Administração de Informação Energética (EUA, U.S. Energy Information Administration 2016).

Figura 12. Histórico de produção de hidrocarbonetos líquidos e gasosos nos Estados Unidos. A retomada do crescimento da produção de gás natural (marco vermelho) e petróleo (marco azul) ocorreu após a viabilização econômica de plays não convencionais. Modificado de Slaughter (2013).

Geologicamente, a viabilização econômica de sistemas petrolíferos não convencionais representa a quebra de inúmeros paradigmas relacionados à pesquisa de hidrocarbonetos. Diferentemente dos sistemas convencionais, são caracterizados por reservatórios de baixa porosidade e permeabilidade, que exibem gradientes de pressão anômalos e contatos hidrocarboneto-água difusos ou inexistentes (e.g., Law 2002). Nestes sistemas, rochas geradoras assumem o papel de reservatórios “auto-alimentados”, a acumulação-migração é pouco dependente de mecanismos hidrodinâmicos (ex.: flutuabilidade) e as estruturas tectônicas não desempenham, necessariamente, papel fundamental (Zou et al. 2013, Song et al. 2015). Adicionalmente, acumulações desta natureza tendem a se apresentar distribuídas ao longo de grandes áreas (Law 2002), o que pode ser visto como um fator de diminuição do seu risco exploratório e econômico. Na indústria, acumulações de óleo e gás natural não convencionais podem ser classificadas em três tipos principais, de acordo com a natureza do reservatório: i) tight sand; ii) shale oil/gas; iii) tight carbonate.

As características geológicas de sistemas não convencionais comumente exigem abordagens técnicas e metodológicas específicas e uma densidade de perfuração de poços consideravelmente maior que sistemas convencionais (Chew 2014). A perfuração de poços direcionais e horizontais, bem como a estimulação dos reservatórios para o aumento da permeabilidade e eventual produção de hidrocarbonetos, são procedimentos comuns e/ou necessários. Tais especificidades permeiam desde a fase de exploração de hidrocarbonetos às suas fases de avaliação e produção, exigindo muitas vezes recursos elevados e maiores intervalos de tempo em cada uma das etapas. Embora muitas discussões venham sendo levantadas em torno do possível impacto ambiental causado pela estimulação de reservatórios não convencionais, é importante destacar que já existem inúmeras técnicas e métodos disponíveis na indústria para o dimensionamento e monitoramento adequado destas atividades (e.g., Chew 2014). Adicionalmente, reservas de interesse econômico raramente encontram-se próximas ou em contato direto com aquíferos rasos (com água apropriada para o consumo), os quais geralmente ocorrem em porções mais rasas e são isolados durante a fase de revestimento dos poços.

4. BACIA DO SÃO FRANCISCO

Recobrindo uma porção substancial do estado de Minas Gerais, a Bacia intracratônica do São Francisco se distribui por uma área de aproximadamente 350.000 km2 e corresponde a uma das maiores províncias sedimentares terrestres do Brasil (Figura 1). A bacia contém os mais importantes registros sedimentares pré-cambrianos preservados na região sudeste e vem sendo foco da exploração de hidrocarbonetos gasosos desde os anos 60. Juntamente com os levantamentos geológicos e geofísicos realizados ao longo das últimas décadas, estas campanhas permitiram consideráveis avanços no entendimento de sua evolução geológica e, sobretudo, das ocorrências de hidrocarbonetos documentadas desde o sec. XVIII (Martins et al. 1993, Pinto et al. 2001).

4.1. Pesquisa de hidrocarbonetos

A pesquisa de hidrocarbonetos na Bacia do São Francisco pode ser subdividida em duas fases principais, uma que abrange principalmente as décadas de 60, 70 e 80 e outra iniciada em 2005 e ainda ativa (Figuras 13 e 14). De forma geral, estas fases também coincidem com dois importantes momentos dos levantamentos geológicos de superfície e aerogeofísicos, bem como o desenvolvimento de relevantes estudos acadêmicos que incluem teses de doutorado e dissertações. Durante a primeira fase de exploração, a bacia foi alvo da perfuração de 22 poços profundos, da aquisição de 2826 km de sísmica 2D, do levantamento de mais de 300.000 km2 de dados aerogeofísicos e levantamentos geológicos de superfície nas escalas 1:250.000 e 1:100.000 (Fugita & Clark Fº 2001). Em conjunto, a aquisição dos dados foi conduzida tanto pela CPRM (e.g., Brandalise et al. 1980) e CODEMIG (antiga METAMIG), quanto pela Petrobrás (e.g., Martins et al. 1993). Ao longo deste período e imediatamente após estas atividades, foram publicados importantes trabalhos, incluindo Costa & Branco (1961), Braun (1968), Almeida (1977), Dardenne (1978, 1981), Alkmim et al. (1993), Santos et al. (2000), Pinto & Martins-Neto (2001), Zalán & Romeiro-Silva (2007), Martins & Lemos (2007), entre outros.

Figura 13. Mapas mostrando parte do acervo de dados de superfície e subsuperfície disponíveis na porção mineira da Bacia do São Francisco e levantamentos realizados ao longo das últimas décadas. a) Mapas geológicos na escala 1:100.000 (CODEMIG 2017, CPRM 2018). Executores: I – Serviço Geológico do Brasil (CPRM); II – UFMG-CODEMIG; III – UFMG-Serviço Geológico do Brasil (CPRM) (i) e UFRJ-Serviço Geológico do Brasil (CPRM) (ii). b) Dados sísmicos e de poços. Reproduzido de Reis (2016).

Figura 14. Gráfico mostrando o número de poços perfurados na Bacia do São Francisco ao longo das últimas décadas. É possível distinguir duas fases exploratórias principais, uma entre 1960 e 1990, e outra iniciada no ano 2005 (após a quebra do monopólio de exploração e produção de hidrocarbonetos no Brasil) e ainda ativa. Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP 2018).

Na segunda etapa de exploração, após a quebra do monopólio do petróleo no Brasil, a bacia tornou-se alvo de novas campanhas que culminaram no levantamento de mais de 21.000 km de sísmica 2D, perfuração de 37 poços profundos e novos levantamentos aerogeofísicos. Nesta etapa, a porção mineira da bacia foi integralmente coberta por levantamentos aeromagnéticos e aerogamaespectrométricos contratados pela CODEMIG e pelo mapeamento geológico na escala 1:100.000, conduzido, sobretudo, através de contratos de mapeamento UFMG-CODEMIG-CPRM (e.g., Pedrosa-Soares et al. 2011a) e pelo Serviço Geológico Brasileiro-CPRM (Figura 13). Desde o início desta fase, a bacia vem sendo alvo de inúmeros estudos baseados em dados de superfície e subsuperfície, geoquímicos, geocronológicos e paleontológicos (e.g., Lima 2011, Alvarenga et al. 2012, Kuchenbecker 2014, Sanchez 2015, Paula-Santos et al. 2015, Reis et al. 2017a, Uhlein et al. 2017).

Atualmente, áreas de exploração concedidas pela ANP na Bacia do São Francisco encontram-se sob a operação das empresas Petra Energia S.A., Cemes Petróleo S.A. (consórcios Cemes-CODEMIG-CEMIG e Cemes-CODEMIG), Imetame Energia Ltda. (Consórcio Imetame-CODEMIG-CEMIG) e Cisco Oil and Gas. Embora tenham participado da campanha exploratória iniciada em 2005, Shell e Petrobrás devolveram seus ativos após cumprir os compromissos iniciais. Ao todo, estima-se que esta campanha exploratória já investiu valores superiores a R$ 1 bi na porção mineira da Bacia do São Francisco, em uma combinação de esforços da iniciativa privada, União (ANP e Ministério das Minas e Energia/MME) e governo do estado de Minas Gerais. Após dezenas de descobertas notificadas de gás natural, muitos dos contratos de concessão ativos na bacia avançaram para a fase de avaliação. Entretanto, os mesmos foram recentemente suspensos por questões regulatórias e de legislação ambiental.

4.2. Geologia

Correspondendo a uma típica bacia intracratônica, a Bacia do São Francisco exibe um substrato litosférico relativamente espesso (c. 200 km, Rocha et al. 2011) e gradientes geotérmicos em torno de 17 °C/km (Reis et al. 2017a). É limitada por diferentes feições e elementos tectônicos (Alkmim & Martins-Neto 2001). Em sua porção mineira, é limitada a oeste e leste pelas frentes de empurrão dos orógenos Brasília e Araçuaí, respectivamente. Tais orógenos representam o registro de cadeias de montanhas desenvolvidas durante a formação do Supercontinente Gondwana, ao final do Neoproterozoico. O limite sul da bacia, por sua vez, é de natureza erosiva (Figura 15). Por conter sucessivos ciclos deposicionais empilhados no tempo e espaço (Martins-Neto 2009), a definição de bacia sedimentar aplicada aqui corresponde a uma definição no sentido amplo, geralmente utilizada em função da sua operacionalidade na academia e indústria.

Figura 15. Mapa geológico simplificado da Bacia do São Francisco (modificado de Alkmim & Martins-Neto 2001 e Heineck et al. 2003). Em (a) a localização dos poços profundos perfurados na bacia entre 1975 e 2014. Em (b) principais indícios de documentados de gás natural na bacia. As linhas tracejadas brancas a oeste e leste representam os limites aproximados dos cinturões de antepaís das faixas Brasília e Araçuaí, respectivamente.

Os parágrafos seguintes apresentam uma síntese do acervo tectono-estratigráfico da Bacia do São Francisco, sua evolução geológica, aspectos do seu sistema petrolífero e principais indícios e descobertas de gás natural. Informações relativas à evolução geológica da bacia são focadas, sobretudo, nos elementos e processos de maior importância para seu sistema petrolífero. Maiores detalhes sobre a evolução geológica podem ser encontrados no capítulo “História Geológica de Minas Gerais”, deste livro. Informações complementares e/ou alternativas são encontradas em Alkmim & Martins-Neto (2001, 2012), Romeiro-Silva & Zalán (2005), Zalán & Romeiro-Silva (2007), Martins & Lemos (2007), Martins-Neto (2009), Reis et al. (2017a) e Reis & Alkmim (2015), entre outros.

4.2.1. Estratigrafia, Geologia Estrutural e Tectônica

Sob o ponto de vista estratigráfico, o registro geológico da Bacia do São Francisco contém dois componentes principais (Alkmim & Martins-Neto 2001, Reis et al. 2017a), um embasamento, composto por rochas metamórficas de idade arqueana a paleoproterozoica e uma cobertura de rochas sedimentares mais jovens que 1,8 bilhões de anos (Figura 16). Enquanto as rochas do embasamento registram alguns dos ciclos geológicos que permearam o início da evolução do Sistema Terra, as rochas da cobertura sedimentar indicam múltiplos eventos climáticos e processos de abertura e convergência continental que marcam desde o alvorecer da Tectônica de Placas (strictu sensu) aos tempos atuais.

Figura 16. Carta estratigráfica do registro pré-cambriano da Bacia do São Francisco mostrando a distribuição temporal das sucessões estratigráficas preservadas no depocentro intracratônico e sua relação com unidades litoestratigráficas e eventos geológicos reconhecidos no Cráton do São Francisco e orógenos marginais. Modificado de Reis et al. (2017a).

Três sequências sedimentares de primeira ordem e idade proterozoica podem ser individualizadas junto às coberturas sedimentares da Bacia do São Francisco (Figura 16): i) Paranoá-Espinhaço Superior, ii) Macaúbas e iii) Bambuí. Estas sequências recobrem o embasamento e, localmente, outra unidade sedimentar de idade paleoproterozoica (?) e reconhecida somente em seções sísmicas. Tais sucessões ocorrem deformadas nas margens ocidental e oriental da bacia, junto aos cinturões de antepaís dos orógenos Brasília e Araçuaí, respectivamente. Localmente, os depósitos sedimentares pré-cambrianos são cobertos discordantemente pelas rochas fanerozoicas dos grupos Santa Fé, Areado, Mata da Corda e Urucuia (Figuras 16 e 17). Em conjunto, o registro geológico da bacia marca sucessivos processos de abertura continental durante o éon Proterozoico, um grande evento de colisão que culminou na amalgamação do Supercontinente Gondwana ao fim do Neoproterozoico e, finalmente, a abertura do Oceano Atlântico durante o Mesozoico (Figura 16).

Figura 17. Seções sísmicas regionais em tempo mostrando a distribuição e arquitetura estrutural das unidades estratigráficas preservadas na Bacia do São Francisco. TWT (Two way travel time) representa o tempo total que uma onda sísmica leva para alcançar uma determinada profundidade e voltar à superfície. Modificado de Reis et al. (2017a).

A Sequência Paranoá-Espinhaço Superior inclui sucessões sedimentares depositadas em um sistema de riftes meso/neoproterozoicos que evoluíram para uma fase sag e uma fase de margem passiva ao longo das porções leste-central e oeste da bacia, respectivamente. Na porção central da Bacia do São Francisco, seções sísmicas revelam para a sequência uma geometria do tipo “cabeça de touro”, com espessuras alcançando até alguns quilômetros junto a uma grande estrutura rifte denominada Aulacógeno Pirapora. Na margem sul do aulacógeno, testemunhos de poços profundos indicam que a porção basal da Sequência Paranoá-Espinhaço Superior contém arenitos, arenitos conglomeráticos, arcósios e conglomerados fluviais e deltaicos, localmente intrudidos por diques e sills máficos. Estes depósitos passam verticalmente para arenitos, pelitos e rochas carbonáticas transicionais a marinhas correlatas aos depósitos do Supergrupo Espinhaço intermediário e superior, expostos na região da Serra do Cabral (Dupont 1995, Lopes 2012). Em direção à margem oeste da bacia, tais sucessões sedimentares passam lateralmente para depósitos rifte-margem passiva, parcialmente correlatos às rochas siliciclásticas do Grupo Paranoá (Alvarenga et al. 2012).

A Sequência Macaúbas inclui os diamictitos, arenitos e demais rochas glacio-relacionadas da Formação Jequitaí, expostos nas bordas dos anticlinais das serras da Água Fria, Cabral e Bicudo (Karfunkel & Hoppe 1988). Tais depósitos correlacionam-se ao Grupo Macaúbas, unidade tipo do Orógeno Araçuaí (Pedrosa-Soares et al. 2011b, Babinski et al. 2012, Kuchenbecker et al. 2015a). Recobrindo discordantemente as sucessões sedimentares da Sequência Paranoá-Espinhaço Superior, correlaciona-se lateralmente com arenitos, arenitos conglomeráticos e pelitos transicionais a marinhos rasos identificados em poços profundos na porção centro-oeste da Bacia do São Francisco. O contato basal da Sequência Macaúbas é de natureza erosiva e comumente associados a falhas normais sin-sedimentares. Aparentemente, todas estas sucessões correlacionam-se lateralmente com as rochas do Grupo Vazante expostas no extremo oeste da Bacia do São Francisco. Nesta região, o grupo comumente hospeda depósitos de Pb-Zn e é dominado por sucessões sedimentares marinhas carbonáticas e siliciclásticas finas, localmente intercaladas com conglomerados, arenitos e diamictitos (Dardenne 2000, Martins-Neto 2009). Metamorfisado em condições de baixo grau metamórfico, o Grupo Vazante contém expressivas sucessões pelíticas ricas em matéria orgânica e pode alcançar espessuras da ordem de 5000 m (Dardenne 2000, Martins-Neto 2009, Reis et al. 2017a). Zircões detríticos de c. 880 Ma e c. 930 Ma encontrados na Formação Jequitaí e no Grupo Vazante (Rodrigues 2008), respectivamente, balizam as idades máximas de sedimentação da Sequência Macaúbas na Bacia do São Francisco.

A Sequência Bambuí corresponde à unidade mais expressiva exposta ao longo da Bacia do São Francisco e contém os pelitos, rochas carbonáticas, arenitos finos e depósitos rudíticos subordinados do Grupo Bambuí (Dardenne 1978, 1981). Em subsuperfície, a sequência apresenta uma geometria em cunha com espessamento geral para oeste, onde pode alcançar até c. 3000 m de espessura. Na porção leste da bacia, é composta por três sequências mistas siliciclásticas-carbonáticas de 2ª ordem e de natureza transgressivo-regressiva. A sequência basal engloba os depósitos glaciogênicos da Formação Carrancas, que passam gradativamente em direção ao topo para folhelhos ricos em matéria orgânica e depósitos de rampa carbonática da Formação Sete Lagoas inferior/intermediária. Com assinatura geoquímica e isotópica típica de rochas carbonáticas pós-glaciais do fim do Neoproterozoico (e.g., Kuchenbecker et al. 2013, Paula-Santos et al. 2015), estas sucessões são cobertas por duas outras sequências de segunda ordem que incluem os pelitos, arenitos finos e calcários das formações Sete Lagoas superior, Serra de Santa Helena, Lagoa do Jacaré e Serra da Saudade inferior. Em direção ao topo, a Sequência Bambuí contém outra sucessão transgressivo-regressiva de 2ª ordem composta pela Formação Serra da Saudade superior na base e pelos arenitos tempestíticos e pelitos da Formação Três Marias no topo. No sentido oeste da bacia, a Sequência Bambuí inclui as rochas siliciclásticas distais de fan-deltaicas das formações Samburá (Castro & Dardenne 2000) e Lagoa Formosa (Uhlein et al. 2017). Embora ainda exista uma grande discussão em torno da idade e natureza da Sequência Bambuí, sua arquitetura tectônica, dispersão e proveniência sedimentar indicam uma sedimentação sin-orogênica em uma bacia de antepaís, mais jovem que 610-560 Ma (e.g., Martins-Neto 2009, Paula-Santos et al. 2015, Kuchenbecker et al. 2015b, Reis et al. 2017b).

Rochas de idade fanerozoica recobrem discordantemente os depósitos pré-cambrianos nos setores (centro-) oeste e norte da bacia (Campos & Dardenne 1997). Com espessuras de apenas algumas centenas de metros, estas sucessões incluem os depósitos glaciogênicos paleozoicos do Grupo Santa Fé e as rochas sedimentares, vulcanossedimentares e ígneas de idade cretácica dos grupos Areado, Mata da Corda e Urucuia.

Três grandes famílias de estruturas tectônicas são amplamente reconhecidas na Bacia do São Francisco: i) riftes proterozoicos; ii) cinturões de antepaís neoproterozoicos e iii) estruturas extensionais cretácicas (Alkmim et al. 1993, Reis et al. 2017a).

O Aulacógeno Pirapora corresponde a um grande gráben não-aflorante de direção NW-SE, que corta a porção central da bacia e é limitada a sul e a norte pelos altos de embasamento de Sete Lagoas e Januária, respectivamente. Aparentemente formado durante o Paleoproterozoico, o aulacógeno contém as máximas espessuras sedimentares encontradas nas porções central e leste da bacia. A estrutura extensional é superposta por sistemas de falhas normais de rejeito até hectométrico, que marcam sua reativação durante a deposição da Sequência Macaúbas.

Os cinturões neoproterozoicos de antepaís representam os elementos tectônicos mais proeminentes aflorantes na bacia (Figuras 15 e 17). Tais elementos afetam suas unidades pré-cambrianas em suas margens leste e oeste e representam, respectivamente, as porções externas dos orógenos Brasília e Araçuaí. Separando um grande setor indeformado na porção central da bacia, os cinturões apresentam arquiteturas tectônicas distintas. O Cinturão de antepaís da Faixa Brasília se estende por centenas de quilômetros na margem ocidental da bacia e corresponde a um sistema de falhas e dobras articulado em superfícies de descolamento próximas à base da Sequência Bambuí. Regionalmente, exibe mesodobras sem vergência definida balizadas por falhas de empurrão que mergulham para oeste. Ao longo de praticamente toda a sua extensão, feições metamórficas não são observadas. O Cinturão de antepaís da Faixa Brasília se desenvolveu, pelo menos em parte, contemporaneamente aos Grabens de Pompéu, um sistema extensional de direção NE-SW que afeta o embasamento e parte das coberturas sedimentares no Alto de Sete Lagoas. De acordo com sua arquitetura tectono-estratigráfica, informações tectonofísicas e correlações regionais, este sistema se desenvolveu a custa da reativação de estruturas antigas do embasamento durante a ascensão flexural do Alto de Sete Lagoas. Aparentemente, este soerguimento flexural foi causado pela imposição de cargas tectônicas na margem oeste da bacia durante a edificação do Orógeno Brasília (Reis et al. 2017b).

O Cinturão de antepaís da Faixa Araçuaí corresponde a um sistema de falhas e dobras com vergência bem definida para oeste e que é compartimentado em três seguimentos. Seu segmento central é de natureza thick-skinned e se desenvolveu através da reativação de falhas profundas e preexistentes do Aulacógeno Pirapora (e.g., Hercos et al. 2008, Reis 2016). Este segmento separa dois domínios, a norte e a sul, onde a deformação é de natureza epidérmica e articulada em descolamentos próximos à base da Sequência Bambuí. Neste cinturão de antepaís, o metamorfismo alcança a fácies xisto verde no extremo leste da Bacia do São Francisco.

No setor oeste da bacia, sistemas de falhas normais de idade cretácica afetam os elementos pré-cambrianos previamente descritos. Estas estruturas foram responsáveis pela compartimentação e dispersão sedimentar das rochas do Grupo Areado e desenvolveram-se durante a abertura do Oceano Atlântico (Campos & Dardene 1997, Sawasato 1995). No extremo sudoeste da bacia, rochas ígneas de afinidade alcalina se relacionam ao Grupo Mata da Corda e intrudem os depósitos proterozoicos da bacia (Figura 17).

O acervo tectono-estratigráfico da Bacia do São Francisco, bem como a correlação com unidades expostas ao longo dos orógenos que margeiam o cráton homônimo, permite sintetizar sua evolução conforme apresentado nas figuras 18 e 19.

Figura 18. Evolução tectônica da Bacia do São Francisco entre o Paleoproterozoico e o Neoproterozoico médio. Riftes paleoproterozoicos: AR – Araí; PI – Pirapora; EI – Espinhaço Inferior. Riftes-(sag) margens passivas meso/neoproterozoicas: PES – Paranoá-Espinhaço Superior. Riftes-margens passivas neoproterozoicas: MC- Macaúbas; Sof – Santo Onofre; RP – Rio Preto. Altos de embasamento: AJ – Januária; ASL – Sete Lagoas. Modificado de Reis et al. (2017a).

Figura 19. Evolução tectônica da Bacia do São Francisco no intervalo entre o Ediacarano e o Mesozoico. Crátons da América do Sul e África: AM- Amazonas; AO –África Ocidental; RP – Rio Paranapanema; SFC – São Francisco-Congo; K –Kalahari. Modificado de Reis et al. (2017a).

4.3. Sistema Petrolífero e ocorrências de gás natural

A Bacia do São Francisco exibe um amplo acervo de indícios de gás natural, exclusivamente associados às suas coberturas sedimentares proterozoicas (Figuras 15 e 20, Tabela 1). Apresenta características distintas de outras bacias produtoras de hidrocarbonetos no Brasil e no mundo, incluindo: i) sua idade dominantemente proterozoica, ii) o avançado estágio termal de seus elementos e iii) sua longa e complexa história tectônica. Em geral, estas características atípicas denotam um longo tempo de residência dos hidrocarbonetos (>500 Ma?) e a possível existência de múltiplas fases de geração, migração e acumulação ao longo de sua evolução (Reis et al. 2013). Apesar disso, os esforços exploratórios empreendidos na bacia ao longo das últimas décadas têm revelado um sistema petrolífero efetivo e potencial para gás natural não convencional.

A Figura 20, associada à Tabela 1, mostra os principais indícios e ocorrências de gás natural documentados na Bacia do São Francisco (Minas Gerais). Adiante, são descritos os principais elementos e processos do sistema petrolífero da Bacia do São Francisco, conforme conhecimento atual.

Figura 20. Principais indícios e ocorrências de gás natural documentados na Bacia do São Francisco (Minas Gerais). A numeração se refere aos itens da Tabela 1. Mapa geológico modificado de Pinto & Silva 2014.


Tabela 1.
Principais indícios e ocorrências de gás natural documentados na Bacia do São Francisco em Minas Gerais (localizados no mapa da Figura 20). Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP 2018).

Descrição Toponímia Município Latitude Longitude
1 Poço portador de gás natural Distrito-sede Montalvânia Montalvânia -14,457072 -44,405588
2 Exsudação de gás natural Corrego Gameleira Brasília de Minas -16,015808 -44,379847
3 Poço portador de gás natural Distrito-sede Ubaí Ubaí -16,219499 -44,691354
4 Exsudação de gás natural Distrito-sede Urucuia Urucuia -16,234663 -45,531562
5 Exsudação de gás natural Distrito-sede São Romao São Romao -16,374804 -45,429641
6 Poço de água com produção de gás Distrito Fernão Dias Brasília de Minas -16,378086 -44,645262
7 Exsudação de gás natural Distrito-sede São Romao São Romao -16,387544 -45,620742
8 Exsudação de gás natural Remanso do Fogo Buritizeiro -16,562018 -45,11735
9 Exsudação de gás natural Rio Paracatu Buritizeiro/Santa Fé de Minas -16,682897 -45,232218
10 Exsudação de gás natural Rio Paracatu Buritizeiro/Santa Fé de Minas -16,684176 -45,234237
11 Exsudação de gás natural Rio Paracatu Buritizeiro/Santa Fé de Minas -16,685886 -45,237341
12 Exsudação de gás natural Rio Paracatu Buritizeiro/Santa Fé de Minas -16,689477 -45,240619
13 Poço seco com indícios de gás natural Distrito Cachoeira do Manteiga Buritizeiro -16,727228 -45,087606
14 Poço portador de gás natural Distrito-sede Ibiaí Ibiaí -16,857821 -44,873201
15 Poço portador de gás natural Distrito-sede São João da Lagoa São João da Lagoa -16,887683 -44,269582
16 Poço seco com indícios de gás natural Distrito-sede Brasilândia de Minas Brasilândia de Minas -17,009620 -45,878581
17 Poço portador de gás natural Distrito-sede Brasilândia de Minas Brasilândia de Minas -17,087702 -45,657691
18 Poço portador de gás natural Distrito-sede Claro dos Poções Claro dos Poções -17,161244 -44,14155
19 Poço seco com indícios de gás natural Distrito-sede João Pinheiro João Pinheiro -17,330652 -46,194727
20 Exudação de coque Mina de Bento Carmelo Paracatu -17,423342 -46,746562
21 Poço portador de gás natural Distrito-sede Várzea da Palma Várzea da Palma -17,423510 -44,641388
22 Poço seco com indícios de gás natural Distrito-sede João Pinheiro João Pinheiro -17,631878 -46,229211
23 Poço portador de gás natural Distrito-sede João Pinheiro João Pinheiro -17,667731 -46,110377
24 Poço com indícios de gás natural Distrito Ponte Firme Presidente Olegário -17,882390 -46,316131
25 Poço com indícios de gás natural Distrito-sede Lassance Lassance -17,908389 -44,739444
26 Poço portador de gás natural Distrito-sede João Pinheiro João Pinheiro -17,918320 -46,086365
27 Poço portador de gás natural Distrito-sede João Pinheiro João Pinheiro -18,038241 -46,149600
28 Poço portador de gás natural Distrito Luislândia do Oeste João Pinheiro -18,067536 -45,644942
29 Poço com indícios de gás natural Distrito Galena Presidente Olegário -18,248736 -46,107105
30 Poço com indícios de gás natural Distrito-sede Presidente Olegário Presidente Olegário -18,249950 -46,583998
31 Poço portador de gás natural Distrito-sede Corinto Corinto -18,331866 -44,604588
32 Exsudação de gás natural Córrego Santo Antonio Corinto -18,393817 -44,677872
33 Exsudação de gás natural Serra Vermelha Morada Nova de Minas -18,421382 -45,550991
34 Poço com indícios de gás natural Distrito-sede Patos de Minas Patos de Minas -18,491186 -46,666261
35 Poço portador de gás natural Distrito-sede Presidente Olegário Presidente Olegário -18,513012 -46,418973
36 Poço portador de gás natural Distrito-sede Patos de Minas/Lagoa Formosa Patos de Minas/Lagoa Formosa -18,631300 -46,371775
37 Poço com indícios de gás natural Distrito-sede Patos de Minas Patos de Minas -18,638563 -46,607541
38 Poço portador de gás natural Distrito-sede Morada Nova de Minas Morada Nova de Minas -18,643296 -45,562625
39 Exsudação de gás natural Rio Indaiá Morada Nova de Minas -18,647075 -45,547515
40 Exsudação de gás natural Rio Indaiá Morada Nova de Minas -18,653605 -45,545772
41 Exsudação de gás natural Fazenda Barroso Biquinhas -18,684778 -45,569276
42 Poço portador de gás natural Distrito-sede Morro da Garça Morro da Garça -18,693609 -44,730284
43 Exsudação de gás natural Rio Indaiá Morada Nova de Minas -18,714076 -45,593191
44 Exsudação de gás natural Rio Borrachudo Tiros -18,811136 -45,763126
45 Poço portador de gás natural Distrito Frei Orlando Morada Nova de Minas -18,821803 -45,367607
46 Poço portador de gás natural Distrito-sede Pompéu Pompéu -19,274865 -44,868133
47 Poço com indícios de gás natural Distrito Ibitira Martinho Campos -19,426007 -45,140506
48 Poço portador de gás natural Distrito-sede Santa Rosa da Serra Santa Rosa da Serra -19,506639 -45,971750

4.3.1. Rochas geradoras

Rochas ricas em matéria orgânica e com potencial gerador têm sido identificadas em, pelo menos, três intervalos estratigráficos distintos na Bacia do São Francisco. No topo da Sequência Paranoá-Espinhaço superior, folhelhos marinhos radioativos e localmente carbonáticos exibem conteúdo orgânico superior a 1%. Rochas siliciclásticas finas da Sequência Macaúbas com COT de até 15,6% foram igualmente identificadas em poços profundos perfurados pela CPRM na porção oeste da bacia (Martins-Neto 2009). Estas unidades afloram na região de Vazante e integram o grupo homônimo. Na Sequência Bambuí, rochas com potencial gerador ocorrem especialmente em sua porção basal, onde lamitos e lamitos carbonáticos transgressivos/regressivos (pós-glaciais ou não) da Formação Sete Lagoas exibem ca. 3,5% de COT (Figuras 21 e 22) (Reis & Alkmim 2015, Reis & Suss 2016).

Figura 21. Coluna estratigráfica da Sequência Bambuí (seções basal e intermediária) obtida a partir da descrição detalhada de testemunhos recuperados na porção sul da Bacia do São Francisco, junto aos grabens de Pompéu.Em destaque (retângulo vermelho tracejado), intervalo pós-glacial radioativo e rico em matéria orgânica, com COT de até ca. 3,5%. A estrela indica intervalo onde material rico em carbono orgânico foi descrito preenchendo oóides parcialmente dissolvidos. Formações: Cr – Carrancas; SL- Sete Lagoas; SSH – Serra de Santa Helena; LJ- Lagoa do Jacaré; SS – Serra da Saudade. Modificado de Reis & Suss (2016).

Figura 22. Fotos mostrando lamitos ricos em matéria orgânica das sequências Paranoá-Espinhaço Superior (a) e Bambuí (b). Repare no conteúdo de pirita disperso ao longo do acamamento. Em (c) e (d) pelitos e diamictitos da Sequência Bambuí com características permo-porosas típicas de intervalos selantes.

Em geral, as rochas com potencial gerador da Bacia do São Francisco exibem conteúdos variáveis de pirita framboidal e baixo teor de hidrogênio. Combinado às características geoquímicas e petrográficas preservadas nestas sucessões (Bertoni 2014, Reis et al. 2013) e ao acervo microfossilífero encontrado na bacia (Sanchez 2015), a baixa quantidade de hidrogênio sugere que as rochas geradoras originais e de boa qualidade foram submetidas a um grau de maturidade térmica elevado e, portanto, encontram-se supermaturas. É importante destacar que a história termal e degradação de seu conteúdo original de hidrogênio dificulta a interpretação do querogênio nos termos de parâmetros como aqueles mostrados na Figura 8. Apesar disso, sua idade pré-cambriana e demais características sugerem se tratar de querogênios do tipo I.

4.3.2. Reservatórios

As rochas proterozoicas da Bacia do São Francisco exibem, pelo menos, três tipos distintos de reservatórios (e.g., Toledo et al. 1998, Fugita & Clark F° 2001, Tonietto 2011, Reis et al. 2013, Dignart 2013): i) arenitos mesoproterozoicos da Sequência Paranoá-Espinhaço Superior, ii) rochas carbonáticas ediacaranas da Sequência Bambuí e iii) rochas siliciclásticas finas fraturadas da Sequência Bambuí. Nestes reservatórios, a porosidade e permeabilidade são, em geral, baixas e de natureza secundária (Figura 23), indicando histórias termais e de soterramento severas. Os três tipos de reservatórios produziram gás natural isoladamente ou em conjunto durante testes de formação realizados em múltiplos poços na bacia (ex.: 1-RF-1-MG, 1-ORT-1-MG) localmente, potenciais reservatórios com porosidade secundária foram identificados em rochas siliciclásticas deltaicas da Sequência Macaúbas.

Figura 23. Imagens mostrando reservatórios da Bacia do São Francisco em escala microscópica. a) e b) Arenitos com porosidade secundária da Sequência Paranoá-Espinhaço Superior. c) e d) Rochas carbonáticas com porosidade secundária da Sequência Bambuí. Fotos (a), (b) e (d) por Newton Gomes. Modificado de Reis et al. (2013).

Arenitos da Sequência Paranoá-Espinhaço Superior correspondem aos reservatórios mais importantes identificados na bacia ate o momento e incluem arenitos, arenitos arcoseanos e arenitos conglomeráticos. Exibem porosidade secundária da ordem de até 10%, em geral, relacionada à dissolução de cimento e minerais do arcabouço. As melhores permeabilidades observadas nestes reservatórios alcançam algumas dezenas de miliDarcys.

Reservatórios em rochas carbonáticas da Sequência Bambuí incluem calcarenitos, calcirruditos oolíticos, e calcilutitos e dolomitos do topo da sua sequência basal de 2ª ordem (Formação Sete Lagoas intermediária / superior). Nestes intervalos, a porosidade secundária é de natureza vugular e intercristalina e pode alcançar até 6-8% (petrografia e petrofísica). Em direção ao topo da Sequência Bambuí, rochas carbonáticas intercaladas com pelitos e arenitos muito finos também podem apresentar porosidades baixas, sendo comumente associadas a fraturas.

Reservatórios em rochas siliciclásticas finas (heterolitos) da Sequência Bambuí correspondem siltitos, lamitos e arenitos finos/muito finos intercalados. Apresentam porosidade máxima de 1-2%, quase que exclusivamente relacionada a fraturas.

4.3.3. Trapas e selos

Dois tipos de trapas desempenham importante papel no sistema petrolífero proterozoico da Bacia do São Francisco. Trapas estratigráficas geralmente ocorrem nas porções sul e norte da bacia, sobretudo, relacionadas ao afinamento das sucessões sedimentares meso a neoproterozoicas em direção às margens do Aulacógeno Pirapora e junto aos altos de Sete Lagoas e Januária, respectivamente (Figuras 16 e 17). Em virtude do caráter secundário da porosidade nos reservatórios identificados, é provável que o trapeamento diagenético desempenhe importante papel no sistema. Trapas estruturais, por outro lado, comumente associam-se a corredores transcorrentes de deformação, dobras associadas a falhas cegas e zonas em duplex nas porções externas dos cinturões de antepaís das faixas Brasília e Araçuaí (Figura 15).

Junto às trapas estratigráficas e estruturais, pelitos e rochas siliciclásticas finas não fraturadas da porção basal/intermediária da Sequência Bambuí correspondem aos principais selos identificados ao longo da Bacia do São Francisco (e.g., Fugita & Clark Fº 2001, Reis et al. 2013). Tais unidades ocorrem extensamente e apresentam espessuras máximas de centenas de metros. Embora relativamente descontínuos, os diamictitos não fraturados da Sequência Macaúbas também podem desempenhar o papel de rochas selantes (Figura 21).

4.3.4. Gás natural: geoquímica e ocorrências

Ao longo de toda a bacia, ocorrências e indícios de gás natural foram documentados tanto em poços profundos quanto em poços de água e na forma de exsudações em superfície (Figuras 15 e 23, Tabela 1). O gás natural é tipicamente seco exibindo, portanto, altas concentrações de metano (CH4) em relação aos demais alcanos. Estes hidrocarbonetos apresentam composição isotópica que indica origem termogênica, com contribuições biogênicas variáveis (ver Figura 5). Embora contenha quantidades variáveis de nitrogênio, o gás natural da Bacia do São Francisco praticamente não contém gases como H2S, CO2 e CO. Localmente, quantidades consideráveis de He foram produzidas durante testes de formação (Martins et al. 1993).

Conforme mostrado nos mapas da Figura 15, ocorrências de gás natural foram documentadas tanto nas porções externas dos cinturões de antepaís das faixas Brasília e Araçuaí, quanto no setor central indeformado. De acordo com Dignart (2013), testes de formação no poço 1-ORT-1-MG produziram gás natural em 4 intervalos distintos, dois na Sequência Bambuí e dois em rochas sedimentares das sucessões inferiores. O poço 1-RF-1-MG, por outro lado, mostrou anomalias durante a perfuração de até ca. 900 UGT em rochas da Sequência Bambuí, tendo produzido gás em intervalos mais rasos desta mesma sequência.

Um curioso caso que acabou tomando grandes proporções na mídia brasileira em 2013, ocorreu durante a perfuração de um poço raso de água na região norte de Minas Gerais (Tabela 1). Locado às margens do Alto de Januária, o poço perfurou carbonatos e pelitos da Sequência Bambuí intermediária/superior e atingiu uma acumulação de gás natural a cerca de 200m de profundidade. De acordo com o proprietário da locação, o poço produziu gás com chama de mais de 1 m e por 15 dias ininterruptos, até cessar naturalmente (Figura 23).

Embora nenhuma ocorrência de petróleo tenha sido identificada até o momento em poços profundos, intervalos com material rico em carbono orgânico (betume/óleo morto) preenchendo fraturas e oóides parcialmente dissolvidos foram reportados em carbonatos da porção basal da Sequência Bambuí (e.g., Tonietto 2011, Reis & Suss 2016, Figura 20). Material similar (coque) também ocorre preenchendo cavidades em dolomitos do Grupo Vazante, na porção oeste da Bacia do São Francisco (Figura 15).

4.3.5. Geração, migração e acumulação

Apesar da Bacia do São Francisco apresentar uma longa e complexa história tectônica, considera-se que seu principal momento de geração (clímax) foi contemporâneo a imediatamente posterior às orogenias brasilianas que afetaram o Paleocontinente São Francisco ao fim do Neoproterozoico. Neste momento, intervalos geradores Bambuí e pré-Bambuí teriam sido deformados e soterrados a profundidades suficientes para geração e expulsão de hidrocarbonetos, ao mesmo tempo em que trapas estruturais se desenvolviam junto aos cinturões de antepaís da bacia. Muitas das trapas estratigráficas mais importantes identificadas na bacia já haviam sido formadas neste episódio.

Considerando as características atuais dos reservatórios, geradores e assinatura geoquímica do gás natural, as unidades sedimentares da bacia foram submetidas a profundidades e temperaturas suficientes para a destruição das porosidades primárias e até mesmo remobilização e degradação termal de acumulações convencionais formadas em estágios anteriores. Feições metamórficas observadas no Cinturão de antepaís da Faixa Araçuaí indicam que tais eventos teriam sido mais severos no extremo leste da bacia. Embora baseadas em dados limitados, modelagens do sistema petrolífero realizadas por Bertoni (2014) sugerem que rochas geradoras da Sequência Bambuí podem ter sido expostas a temperaturas suficientes para geração de gás natural no limite Ediacarano-Paleozoico. Isto implica em um tempo de residência superior a 500 Ma para os hidrocarbonetos gerados e acumulados neste processo. Por se tratar de um evento relativamente menos expressivo na história da bacia, o tectonismo cretácico parece ter influenciado/obliterado o sistema petrolífero proterozoico apenas localmente.

Após sua geração e expulsão, os hidrocarbonetos migraram até suas zonas de acumulação, sobretudo, através de falhas regionais e fraturas. Duas rotas regionais principais parecem ter exercido importante papel nesta migração, uma a partir do Aulacógeno Pirapora e no sentido dos altos de embasamento de Sete Lagoas e Januária e outra a partir dos cinturões de antepaís e no sentido do compartimento central e indeformado da bacia. Tais rotas são compatíveis com a distribuição e características de muitas das ocorrências de hidrocarbonetos documentadas no setor sul do Cráton do São Francisco, bem como veios de quartzo e depósitos de Pb-Zn (Reis 2016). Adicionalmente, múltiplas exsudações de gás natural observadas ao longo da bacia indicam que rotas de migração ao longo de fraturas continuam ativas, mesmo após centenas de milhões de anos. Este parece ser o caso das exsudações do Rio Indaiá e adjacências, que ocorrem orientadas ao longo da direção de fraturas extensionais (juntas) de direção WNW-ESE. Tais estruturas foram desenvolvidas durante a edificação do Cinturão de antepaís da Faixa Brasília e aparentemente reativadas durante o Cretácio Inferior (Reis & Alkmim 2015) (Figura 24).

Figura 24. Indícios de gás natural na Bacia do São Francisco. a) Poço raso de água que produziu gás por 15 dias ininterruptos na região norte de Minas Gerais. b) e c) Exsudações de gás natural ao longo dos rios Paracatu e Indaiá, respectivamente. As setas vermelhas indicam o alinhamento das emanações do Rio Indaiá, conforme fraturas extensionais que afetam as rochas da Sequência Bambuí. (b) Foto de J. Maciel, reproduzida de Pinto et al. (2001). (c) Reproduzido de Reis (2011).

4.3.6. O Sistema Petrolífero da Bacia do São Francisco e sua natureza não convencional

Os dados apresentados anteriormente e o atual estágio de conhecimento sobre sistemas convencionais (e.g., Magoon & Dow 1994) e não convencionais (e.g., Law 2002, Zou et al. 2013, Song et al. 2015) permitem algumas considerações adicionais sobre o sistema petrolífero da Bacia do São Francisco. Neste sentido, é possível perceber que os elementos e processos reconhecidos indicam uma baixa possibilidade para acumulações convencionais de hidrocarbonetos. Por outro lado, os indícios observados guardam grande similaridade com sistemas não convencionais, incluindo a baixa porosidade e permeabilidade de reservatórios e o estágio supermaturo das rochas geradoras. Contatos água-hidrocarbonetos pouco nítidos ou inexistentes corroboram com uma natureza não convencional. Apesar do sistema petrolífero da bacia apresentar características únicas, plays não convencionais da Bacia dos Apalaches (EUA), Michigan (EUA) e Betaloo (AUS) guardam similaridades, mesmo que parciais, com elementos e processos observados na Bacia do São Francisco.

5. ASPECTOS ECONÔMICOS DO GÁS NATURAL EM MINAS GERAIS

Atualmente, são produzidos no mundo cerca de 3,5 trilhões de metros cúbicos de gás natural por ano (British Petroleum 2016). 21,1% deste total são produzidos nos Estados Unidos, 16,3% na Rússia, 5,7% no Irã e 5,1% no Qatar. Em 2015, o gás natural produzido no Brasil representava 0,7% da produção total mundial (cerca de 23 bilhões de metros cúbicos/ano), em meio a expectativas de crescimento em virtude dos campos do pré-sal. De acordo com o Ministério das Minas e Energia (2018), o gás natural voltou a crescer em 2017, após recuos em 2016 e 2015. Até 2014, a demanda esteve em alta, principalmente em razão da expansão na geração de energia elétrica pública. Embora a crise político-econômica recente (2013-2017) tenha pressionado o consumo energético de forma generalizada, em 2016 o gás natural já respondia por aproximadamente 12% da Oferta Interna de Energia (OIE) do Brasil (Ministério das Minas e Energia 2018). Conforme este relatório, em 2017, o combustível apresentou uma expansão de 6,6% na produção em relação a 2016.

Em Minas Gerais, ainda não existem campos produtores de gás natural. Entretanto, em 2015 a demanda por energia no estado alcançou cerca de 36,1 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (toe), sendo que 37% deste montante era representado pelo gás natural, petróleo e derivados (Companhia Energética de Minas Gerais 2017). Tais dados apontam uma dependência relativamente elevada da importação de hidrocarbonetos, o que torna necessária e estratégica a produção deste recurso energético. Adicionalmente, a demanda crescente e aspectos de infraestrutura fazem a produção de hidrocarbonetos no estado consideravelmente atrativa. Por se localizar em uma das regiões mais industrializadas e populosas do Brasil, a produção de gás natural na Bacia do São Francisco poderia suprir parte da demanda energética industrial e doméstica local, bem como servir de insumo para a indústria petroquímica e de produção de fertilizantes. A princípio, o escoamento destes hidrocarbonetos poderia ser realizado através da rede de gasodutos existentes no setor sudeste do Brasil (Figura 1) e, se econômico, na forma de gás liquefeito. A construção de usinas termoelétricas para distribuição de energia elétrica através de redes de tensão existentes (gas to wire) pode configurar uma alternativa adicional para aplicação do gás natural da Bacia do São Francisco.

6. AGRADECIMENTOS

Agradeço a Antônio Carlos Pedrosa Soares pelo convite, à Petra Energia S.A. e à Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) pelo suporte ao longo dos últimos anos. As ideias e conceitos apresentados no texto foram, em parte, construídos através de frutíferas discussões com os colegas e amigos Fernando F. Alkmim, Renato C.S. Fonseca, João F. Suss, Thiago C. Nascimento, Carlos Souza Cruz e ex-membros da equipe de exploração da Petra Energia S.A. Agradeço a Larissa Paraguassú e Renato C.S. Fonseca pelas revisões e sugestões, as quais contribuíram substancialmente para a melhora do texto original.

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