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1. MINAS GERAIS NO CENÁRIO GEOLÓGICO DO BRASIL

Visto sob a ótica geológica e como parte do continente sul-americano, o território brasileiro comporta uma primeira divisão em dois tipos de terrenos: os antigos, que formam o substrato continental constituído de rochas de idades pré-cambrianas, e os terrenos jovens, que compõem a cobertura formada por rochas de idades fanerozoicas (Almeida 1967, Almeida et al. 1981, Figura 1).

Figura 1. O território brasileiro com a distribuição dos seus dois tipos de terrenos. Os antigos, de idades pré-cambrianas (superiores a 541 milhões de anos) formam os escudos e os jovens, de idades fanerozoicas (inferiores a 541 milhões de anos), constituem a cobertura sedimentar. (Confeccionado com base em Almeida et al. 1981).

Nos terrenos antigos ou pré-cambrianos, as rochas componentes são mais velhas que 541 milhões de anos e, entre elas, predominam as metamórficas e ígneas, que, em sua grande maioria, não contêm fósseis. As partes do território nas quais estes terrenos encontram-se expostos são chamadas de escudos. Distinguem-se, assim, os escudos Atlântico, das Guianas e do Guaporé (ou do Brasil Central) (Almeida 1967, Almeida et al. 1981, Figura 1).

Os escudos do Brasil englobam dois subtipos de terrenos pré-cambrianos: os crátons e os sistemas orogênicos brasilianos (Figura 2). Os crátons correspondem às porções dos continentes, cujo substrato é, em geral, formado por rochas mais velhas que 1 bilhão de anos e que adquiriram estabilidade geológica desde então, ou em tempos mais remotos ainda (Almeida et al. 1981, 2000, Brito-Neves et al. 1999, Alkmim 2004). Estabilidade geológica, neste caso, significa o não envolvimento em processos orogenéticos, isto é, em colisões entre placas litosféricas, que levam à formação de cadeias de montanhas. Os crátons compreendem, assim, as partes mais antigas e estáveis do território brasileiro e dos continentes de um modo geral.

Figura 2. Mapa da constituição geológica geral do Brasil, que enfatiza os dois subtipos de terrenos pré-cambrianos: os crátons e os sistemas orogênicos brasilianos. Minas Gerais abarca parte do Cráton do São Francisco e dos sistemas brasilianos Tocantins e Mantiqueira (Confeccionado com base em Almeida et al. 19812000).

Em contraposição aos crátons, e limitando-os por todos os lados, os sistemas orogênicos brasilianos são cadeias de montanhas antigas, soerguidas em consequência de colisões entre placas litosféricas ocorridas entre 630 e 541 milhões de anos, ou seja, ao final da Era Neoproterozoica e do tempo pré-cambriano. Estas colisões e todos os processos geológicos a elas relacionados caracterizam o chamado Evento Brasiliano (Almeida et al. 1981, 2000, Almeida & Hasui 1984, Brito-Neves et al. 1999, Campos-Neto 2000), um nome bastante apropriado, pois, foi no seu curso que o substrato do território brasileiro fora amalgamado. Dos sistemas montanhosos então gerados tomam parte associações de rochas formadas durante o próprio Evento Brasiliano e mais antigas.

Os crátons do território brasileiro são o Amazônico, de São Luis, do São Francisco e do Paranapanema, este último totalmente coberto por rochas sedimentares fanerozoicas (Figura 2). Os sistemas montanhosos brasilianos são o Tocantins, o Mantiqueira e o Borborema (Almeida et al. 1981, 2000, Brito-Neves et al. 1999, Campos-Neto 2000). Quando se comparam os mapas da constituição geológica e do relevo do Brasil, verifica-se que a maioria dos sistemas brasilianos corresponde às terras altas, ao passo que os crátons, parcial ou totalmente cobertos por rochas sedimentares fanerozoicas e hospedeiros das grandes bacias hidrográficas atuais, se expressam na forma das terras baixas do território (Figura 3). Assim, apesar de passados mais de 500 milhões de anos da sua geração, as cadeias de montanhas brasilianas e os crátons, em geral, mantêm as suas posições relativas na topografia do continente.

Figura 3. Mapas da constituição geológica e do relevo do Brasil. Uma comparação destes mostra que a maioria dos sistemas orogênicos brasilianos se expressa no relevo na forma de terras altas e os crátons como terras baixas. (Modificado de Alkmim & Martins-Neto 2004).

Os terrenos jovens ou fanerozoicos consistem de camadas de rochas sedimentares e ígneas, cujas idades ficam compreendidas entre 541 milhões de anos e o presente. Estas camadas preenchem bacias sedimentares fanerozoicas, que são depressões geradas no substrato pré-cambriano. De acordo com a sua localização geológica, as bacias sedimentares fanerozoicas brasileiras são agrupadas em duas categorias: as interiores e as da margem continental. Dentre as interiores ou intra-continentais, citam-se, por exemplo, as grandes bacias do Paraná, do Solimões, do Amazonas e do Parnaíba. Dentre marginais ou costeiras, destacam-se as bacias do Ceará, de Barreirinhas e Potiguar, na margem equatorial, bem como as de Santos, Campos e Espírito Santo, na margem leste brasileira (Mohriak 2003, Pedreira et al. 2003, Zalán 2004, Milani et al. 2007) (Figura 4).

Figura 4. Bacias sedimentares fanerozoicas brasileiras, classificadas de acordo com a sua localização no território. Apenas uma pequena parte de Minas Gerais é coberta pelos terrenos jovens das bacias do Paraná e São Francisco (Confeccionado com base em Milani et al. 2007).

Nas seções seguintes, apresentam-se descrições da constituição dos terrenos pré-cambrianos e fanerozoicos de Minas Gerais, seguidas de uma síntese de sua história geológica. Nela, explora-se o significado das principais unidades litológicas presentes no território mineiro à luz da teoria da tectônica de placas, que reúne o conhecimento que se tem a respeito da dinâmica terrestre.

Em sua maior parte, o território de Minas Gerais abarca terrenos pré-cambrianos do Escudo Atlântico. As áreas cobertas por camadas fanerozoicas ficam restritas à região do Triângulo Mineiro e parte do vale do São Francisco (Figura 5). Conhecido mundialmente por sua grande geodiversidade e riqueza mineral, o estado de Minas Gerais, cujo nome, reflete, em última análise, estes atributos, atraiu e tem atraído não somente empreendimentos mineiros, mas também cientistas que, ao longo dos anos, têm se dedicado a desvendar a sua constituição e história geológicas.

Figura 5. Compartimentação geológica de Minas Gerais, que abrange parte do Cráton do São Francisco e dos sistemas brasilianos Tocantins e Mantiqueira, além da cobertura de rochas fanerozoicas. O cráton tem o seu substrato mais velho que 1,8 bilhões de anos exposto na região do Quadrilátero Ferrífero (QF) e é, em sua maior parte, coberto pelo preenchimento da Bacia do São Francisco. O sistema Tocantins é representado na parte leste do estado pela Faixa Brasília Meridional, e o Mantiqueira, nas regiões leste e sul do estado, por segmentos do Orógeno Araçuaí e da Faixa Ribeira.

2. OS TERRENOS PRÉ-CAMBRIANOS DE MINAS GERAIS

Os terrenos pré-cambrianos de Minas Gerais constituem o Cráton do São Francisco e os sistemas montanhosos brasilianos Mantiqueira e Tocantins, que o limitam pelo oeste, sul e leste (Figura 5).

2.1. O Cráton do São Francisco

O Cráton do São Francisco é definido como um bloco continental estabilizado por volta de 1,8 bilhões de anos e limitado pelos sistemas orogênicos brasilianos Mantiqueira, Tocantins e Borborema (Almeida 1977, 1981, Alkmim 2004, Heilbron et al. 2017a). Possui um segmento de direção norte-sul, que se encurva e adquire a orientação leste-oeste e, assim persistindo, atinge o litoral, onde é limitado pelas bacias da margem continental (Figuras 2 e 4). Esta forma, ainda que grosseiramente, reproduz a configuração geral da bacia hidrográfica que lhe empresta o nome.

Em Minas Gerais, o Cráton do São Francisco é representado por uma grande parte do seu segmento de orientação meridiana, o qual é quase inteiramente coberto por rochas sedimentares pré-cambrianas e fanerozoicas (Figura 5). Somente em uma área relativamente pequena no seu extremo sul aflora o seu embasamento, formado pelas associações de rochas mais antigas do estado, com idades de até 3,2 bilhões de anos. Ele acha-se exposto na região conhecida como Quadrilátero Ferrífero e suas adjacências. A parte do cráton coberta por rochas sedimentares mais jovens que 1,8 bilhões de anos constitui a Bacia Sedimentar do São Francisco (Figura 5).

2.1.1. O Quadrilátero Ferrífero e adjacências

Graças aos recursos minerais que encerra, principalmente às suas jazidas auríferas e de minérios de ferro de alto teor, a província mineral do Quadrilátero Ferrífero (QF) (Figura 6) tornou-se a região melhor conhecida de todo o Brasil, do ponto de vista geológico. Ela foi cartografada em detalhe (mapas na escala de 1:25.000) entre os anos 1950 e 1960, e as informações colhidas nesta campanha de mapeamento encontram-se sintetizadas em Dorr (1969), obra que constituiu a base para inúmeros estudos e campanhas de exploração mineral e desenvolvimento mineiro realizadas nos anos subsequentes.

Figura 6. a) Mapa geológico simplificado do Quadrilátero Ferrífero e áreas adjacentes no extremo sul do Cráton do São Francisco. b) Modelo digital de terreno que enfatiza o pronunciado relevo do Quadrilátero Ferrífero. Os picos do Sol e do Itacolomi, pontos culminantes da região, tem altitudes de 2.043 e 1.776 m, respectivamente. Observar a notável correspondência entre o mapa geológico e o modelo digital do terreno.

O Quadrilátero Ferrífero é uma região de relevo muito acidentado, na qual se destacam quatro conjuntos de serras quase ortogonais entre si (Figura 6), ao longo das quais se distribuem grandes depósitos de minério de ferro de alto teor. Nestas serras e nas regiões vizinhas que se estendem até os limites do cráton e da bacia sedimentar do São Francisco, encontram-se expostas cinco associações principais de rochas que, da mais velha para a mais nova, se empilham na seguinte ordem (Dorr 1969, Renger et al. 1995, Baltazar & Zuccheti 2007, Lana et al. 2013, Alkmim & Teixeira 2017) (Figuras 6 e 7):

  • Rochas gnáissicas e granitos de idades arqueanas compreendidas entre 3,20 e 2,80 bilhões de anos, que representam a assembleia litológica mais antiga de todo o estado.
  • O Supergrupo Rio das Velhas, composto por xistos verdes associados a várias outros tipos de rochas metamórficas de origem sedimentar e vulcânica, formadas entre 2,80 e 2,68 bilhões de anos durante a Era Neoarqueana e que hospedam os grandes depósitos auríferos da província (Lobato et al. 1998).
  • O Supergrupo Minas, depositado durante a Era Paleoproterozoica, entre 2,6 e 2,0 bilhões de anos, que engloba uma sucessão de rochas metamórficas de origem sedimentar continental e majoritariamente marinha, entre as quais se destacam os itabiritos da Formação Cauê, a camada-guia do Quadrilátero Ferrífero e hospedeira dos seus grandes corpos de minério ferro (Rosière & Chemale Jr. 2000, Rosière et al. 2008, Figura 7).
  • Granitos, rochas metassedimentares e metavulcânicas de idades paleoproterozoicas compreendidas entre 2,45 e 2,10 bilhões de anos, que se distribuem ao longo de uma faixa de terreno de orientação nordeste-sudeste situada imediatamente a sudoeste do Quadrilátero Ferrífero, conhecida como Cinturão Mineiro (Teixeira et al. 2000).
  • O Grupo Itacolomi, de idade paleoproterozoica e composto por um espesso pacote de quartzitos e metaconglomerados, cujas ocorrências típicas são picos e serras do sul da província.

Figura 7. Representação esquemática da sucessão de rochas que compõem o Supergrupo Minas, unidade característica do Quadrilátero Ferrífero. Destaca-se nesta coluna estratigráfica a Formação Cauê, constituída de itabiritos e hospedeira dos minérios de ferro da região. (Confeccionada com base em Dorr 1969).

As camadas de todas as unidades acima mencionadas encontram-se deformadas e metamorfisadas em variados graus de intensidade, apresentando-se dobradas, falhadas e fraturadas. Em muitas partes da região, compõem arranjos geométricos de grande complexidade.

Durante o período colonial, foram as jazidas auríferas do Quadrilátero Ferrífero as principais alimentadoras do Ciclo do Ouro. Estima-se, de forma bastante conservadora, que nos 100 anos de duração do ciclo, delas foram extraídas 600 toneladas de ouro. O Quadrilátero Ferrífero pode ser considerado como o coração da histórica “região das minas”, que funcionou como atratora de grandes contingentes de mineradores a partir do princípio do século XVIII e, desta forma, propiciou a ocupação do interior do Brasil, até então uma terra essencialmente agrária e litorânea.

Após um longo período de estagnação da atividade mineira durante o século XIX, o Quadrilátero Ferrífero volta a adquirir grande importância econômica no cenário internacional a partir dos anos 1950. Incrementou-se progressivamente, a partir daí, a produção de minérios de ferro de alto teor que, com várias oscilações, atingiu 228 milhões de toneladas em 2016. Mesmo com o considerável crescimento do papel desempenhado pelas minas de Carajás, no Pará, o Quadrilátero Ferrífero ainda continua responsável por aproximadamente 70% da produção nacional de minérios de ferro.

2.1.2. A Bacia Sedimentar do São Francisco

Dá-se no nome de Bacia Sedimentar do São Francisco ao setor do cráton homônimo preenchido por rochas sedimentares pré-cambrianas e fanerozoicas (Alkmim & Martins-Neto 2001, Reis et al. 2017). A Bacia do São Francisco (Figura 8) ocupa quase todo o segmento de orientação meridiana do cráton e se estende pelos estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás. Em Minas Gerais, é limitada, a oeste e leste, respectivamente, pela Faixa Brasília do sistema Tocantins, e pelo Orógeno Araçuaí do sistema Mantiqueira. A sul, o seu limite é dado pelo contato com as rochas do embasamento arqueano e paleoproterozoico do Quadrilátero Ferrífero (Figura 8).

Figura 8. a) Modelo digital de terreno da porção do Cráton do São Francisco que toma parte do território mineiro, com a delimitação da bacia homônima e principais feições do relevo da região. b) Mapa geológico simplificado da mesma porção da Bacia do São Francisco com a distribuição geográfica das principais formações do Grupo Bambuí, sua unidade característica. Neste mapa, somente a Formação Três Marias, a mais nova do Grupo Bambuí, tem a sua ocorrência integralmente delimitada. As demais unidades, reunidas no Subgrupo Paraopeba, não estão discriminadas na maior parte da área enfocada (Confeccionado com base em Pinto & Silva 2014).

Por aflorar em toda a extensão da bacia, o Grupo Bambuí (Costa & Branco 1961, Dardenne 1978, 1981), composto principalmente por uma alternância entre camadas marinhas de calcários, ardósias e siltitos, representa a sua unidade de preenchimento característica. Dividido em cinco formações principais (Figuras 8 e 9), que são importantes fontes de rochas ornamentais e de matérias primas para produção de cimento e cal, o Grupo Bambuí tem uma espessura aflorante de aproximadamente 900 m. Entretanto, campanhas exploratórias para acumulações gás armazenadas em rochas do grupo realizadas nos últimos anos revelaram que esta espessura pode ser bem maior em subsuperfície, atingindo até 3.000 m (Reis et al. 2017).

Figura 9. Coluna estratigráfica do Grupo Bambuí, com as suas principais formações (Modificado de Alkmim & Martins-Neto 2001).

A idade das rochas do Grupo Bambuí é incerta e tema de vários estudos. Há, entretanto, indicações cada vez mais consistentes de que a sedimentação do grupo tenha ocorrido durante o Período Ediacarano do final da Era Neoproterozoica, entre 635 e 541 milhões de anos (Rodrigues 2008, Warren et al. 2014, Kuchenbecker et al. 2015a).

Em vários setores da bacia, as rochas do Grupo Bambuí jazem sobre um conjunto de rochas que representam materiais depositados por geleiras (tilitos), bem como por fluxos de lama e de detritos (diamictitos) e fluxos aquosos (arenitos, siltititos) a elas associados. Estas rochas são agrupadas na Formação Jequitaí (Dardenne 1978, Karfunkel & Hoppe 1988, Uhlein et al. 2004), cuja idade neoproterozoica, assim como a do Grupo Bambuí, é incerta.

Ao longo de uma faixa de orientação meridiana junto ao limite oeste da bacia (Figura 8), o Grupo Bambuí está em contato com o Grupo Vazante (Dardenne 2000). Subdividido em cinco formações marinhas constituídas por dolomitos e ardósias, com algumas intercalções de calcários e outras rochas, o Grupo Vazante possui uma espessura de até 5.000 m e é o hospedeiro dos corpos de minério de zinco, chumbo-zinco e fosfato de Vazante, Morro Agudo e Lagamar, respectivamente (Dardenne & Schobbenhaus 2001, Bittencourt et al. 2001).

Na parte leste da bacia (Figura 8), as rochas da Formação Jequitaí e do Grupo Bambuí jazem sobre o Supergrupo Espinhaço (Pflug 1965, Schöll & Fogaça 1979, Dussin & Dussin 1995, Uhlein et al. 1998, Martins-Neto 1998, Reis et al. 2017), que engloba uma sucessão de arenitos, com intercalações de siltitos, folhelhos e conglomerados de idades paleo a mesoproterozoicas. O supergrupo tem como área tipo a Serra do Espinhaço, que marca o limite leste da bacia e é expressão no relevo da parte externa do Orógeno Araçuaí, descrito a seguir.

As rochas pré-cambrianas da Bacia do São Francisco encontram-se deformadas junto as suas margens oeste e leste. Ou seja, as dobras e falhas características dos sistemas orogênicos brasilianos que limitam a bacia, não se restringem a estes terrenos. Elas afetaram também as camadas que formam o preenchimento sedimentar pré-cambriano da bacia, as quais se descolaram do substrato e foram amarrotadas ao longo de uma área considerável dos setores oeste e leste da mesma (Figura 8). Na parte central, as camadas pré-cambrianas encontram-se indeformadas e jazem horizontalmente (Alkmim & Martins-Neto 2001, Reis et al. 2017).

2.2. O Sistema Orogênico Mantiqueira

O Sistema Orogênico Mantiqueira estende-se pela região ocidental do Brasil desde o limite do Cráton do São Francisco, na fronteira Minas-Bahia até o Rio Grande do Sul (Almeida & Hasui 1984, Campos-Neto 2000). A sua porção presente no território mineiro é a sua terminação setentrional, representada por partes do Orógeno Araçuaí e da Faixa Ribeira (Figura 5).

2.2.1. O Orógeno Araçuaí

O Orógeno Araçuaí (Pedrosa-Soares et al. 2001, 2007, Pedrosa-Soares & Wiedemann-Leonardos 2000) abrange a região compreendida entre o Cráton do São Francisco e margem continental leste brasileira (Figura 2), ou seja, toda a Serra do Espinhaço meridional e os vales do Rio Doce, Mucuri e Jequitinhonha, nos estados de Minas, Espírito Santo e pequena porção da Bahia. O seu limite sul com a Faixa Ribeira é marcado na altura do paralelo 21° de latitude sul, onde as suas estruturas de orientação geral norte-sul encurvam-se e assumem a direção nordeste. Como parte do grande sistema montanhoso erigido durante Evento Brasiliano, o Orógeno Araçuaí teve o clímax do seu soerguimento atingido entre 580 e 570 milhões de anos (Pedrosa-Soares et al. 2007).

Em função do tipo de rochas envolvidas, o Orógeno Araçuaí é subdividido em dois grandes setores (Alkmim et al. 2007). Na sua parte externa, conhecida como Faixa Araçuaí (Almeida 1977, Pedrosa-Soares et al. 2007) e localizada ao longo da margem do Cráton do São Francisco, predominam rochas metassedimentares de baixo a médio grau metamórfico, que se organizam no espaço na forma de um típico cinturão orogênico. Na sua parte interna, ou núcleo cristalino, predominam rochas metamórficas de alto grau e granitos com uma disposição espacial bem mais complexa. Em Minas Gerais, estão localizados o segmento de orientação norte-sul da Faixa Araçuaí e a maior parte da zona granítica do núcleo cristalino (Figura 10).

Figura 10. a) Modelo digital de terreno da porção mineira do Orógeno Araçuaí e áreas vizinhas com as suas principais feições topográficas. b) Mapa geológico simplificado da mesma porção do orógeno com a representação das principais assembleias litológicas que dele tomam parte. c) Corte geológico representativo da estrutura do orógeno, que consiste em camadas dobradas e seccionadas por falhas de empurrão. (Confeccionadas com base em Pedrosa-Soares et al. 2001 e Alkmim et al. 2007).

Do Orógeno Araçuaí tomam parte várias assembleias litológicas. A sua unidade típica é o Grupo Macaúbas, constituído por rochas metamórficas formadas a partir de sedimentos acumulados por vários agentes geológicos (Figura 11), mas principalmente pela ação de geleiras em uma grande bacia marinha (Uhlein et al. 1999, 2007, Pedrosa-Soares et al. 2007, 2008, Martins et al. 2008, Kuchenbecker et al. 2015b). Dentre estas rochas, tem-se filitos, meta-diamictitos, xistos, quartzitos e formações ferríferas, além de intercalações de camadas de origem vulcânica. A espessura total do grupo deve chegar aos 10.000 m e as idades de suas formações recaem no intervalo de 900 a 620 milhões de anos. A maioria dos pesquisadores que se dedica ao estudo do Grupo Macaúbas interpretam-no como equivalente em idade à Formação Jequitaí da Bacia do Francisco e preenchimento de uma bacia sedimentar de margem e interior continental, que, intensamente deformada durante o Evento Brasiliano, deu origem ao Orógeno Araçuaí.

Figura 11. Coluna estratigráfica do Grupo Macaúbas, unidade típica do Orógeno Araçuaí, com as suas formações que antecederam, foram síncronas e sucederam um dos eventos glaciais da Era Neoproterozoica (Confeccionada com base em Kuchenbecker 2015b).

As unidades litológicas mais velhas que o Grupo Macaúbas envolvidas no Orógeno Araçuaí são o embasamento, composto por rochas metamórficas e ígneas mais velhas que 1,8 bilhões de anos, e o Supergrupo Espinhaço. Essa unidade, aflorante na serra homônima, abarca uma sucessão de mais de 6.000 m de espessura de rochas metassedimentares e metavulcânicas, depositadas durante uma série de episódios de formação de bacias sedimentares ocorridos entre 1,8 e 0,9 bilhões de anos, ou seja, entre o final da Era paleoproterozoica e durante a Era Mesoproterozoica (Dussin & Dussin 1995, Uhlein et al. 1998, Martins-Neto 1998, Chemale Jr. et al. 2012). Predominam no supergrupo os quartzitos, que se destacam nas paisagens da Serra do Espinhaço, seguidos por filitos e, em menor proporção metaconglomerados e rochas carbonáticas.

As assembleias de rochas mais jovens que o Grupo Macaúbas que igualmente integram o orógeno são as seguintes: i) cinco suítes de rochas graníticas; ii) o Grupo Rio Doce, composto por rochas vulcânicas e sedimentares; iii) associações de rochas metamórficas de alto grau, agrupadas em complexos gnáissicos; iii) a Formação Salinas, que abarca uma sucessão de xistos e meta-arenitos formados durante o processo de soerguimento do orógeno (Lima et al. 2002, Pedrosa-Soares et al. 2007, 2011). Os granitos, presentes em grande volume no núcleo cristalino do orógeno, são agrupados em supersuítes (G1 a G5), as quais registram os principais estágios de sua evolução. A Supersuíte G1 engloba corpos graníticos formados entre 630 e 580 milhões de anos, no estagio de convergência de placas que antecedeu o processo colisional que deu origem ao orógeno. A esta supersuíte se associam temporal e espacialmente as rochas do Grupo Rio Doce. As supersuítes G2 e G3 foram geradas entre 580 e 540 milhões de anos, no curso do processo colisional, através da fusão de rochas pré-existentes. Já as supersuites G4 e G5, formaram-se depois de cessada a colisão brasiliana, entre 540 e 490 milhões de anos (Pedrosa-Soares & Wiedemann-Leonardos 2000, Pedrosa-Soares et al. 2011).

No interior das cadeias de montanhas, sejam elas antigas ou jovens, as camadas presentes encontram-se deformadas em variados graus de intensidade. Caracteristicamente, apresentam-se dobradas e cortadas por falhas, ao longo das quais grandes volumes de rochas são empurrados em um sentido preferencial. O Orógeno Araçuaí não foge a esta regra. Os elementos principais da sua arquitetura são dobras e falhas de empurrão de orientação geral norte-sul, as quais refletem seu soerguimento em associação com a movimentação geral da massa rochosa em direção a oeste, isto é, em direção ao Cráton do São Francisco (Alkmim et al. 2007, Figura 10c).

O Orógeno Araçuaí é conhecido por suas jazidas e ocorrências de gemas. Diamantes extraídos de aluviões e metaconglomerados da Serra do Espinhaço, no alto Jequitinhonha (região da cidade de Diamantina) tornaram do Brasil o maior produtor mundial desta gema desde o princípio do século XVIII até meados do século XIX, quando África do Sul começou também a produzi-la. O famoso Distrito Diamantino de Minas Gerais persistiu ainda como importante produtor mundial até os anos 1980. Além dos diamantes, o Orógeno Araçuaí foi aquinhoado com vários depósitos de berilo (esmeraldas, águas marinhas) e turmalinas, todos eles associados aos granitos abundantes no seu núcleo cristalino. O orógeno hospeda também importantes jazidas de grafita e ocorrências de minério de ferro (Dardenne & Schobbenhaus 2003, 2001, Pedrosa-Soares et al. 2011).

2.2.2. A Faixa Ribeira

No extremo sul do estado, encontra-se exposto um segmento do setor setentrional e mais externo da Faixa Ribeira (Hasui et al. 1975, Trouw et al. 2000, Heilbron et al. 2004, 2017b, Figuras 5 e 12), a qual se estende ainda pelo Rio de Janeiro e por São Paulo. Como mencionado anteriormente, em Minas Gerais, a Faixa Ribeira está em continuidade com o Orógeno Araçuaí e se superpõe à terminação sul da Faixa Brasília, o que dá origem a um quadro geológico de alta complexidade. Isto ocorre pelo fato da Faixa Ribeira ter se formado após o soerguimento da porção do sistema Tocantins ali presente (Heilbron et al. 2017b).

Figura 12. a) Modelo digital de terreno da região extremo sul de Minas Gerais, ocupada pela Faixa Ribeira setentrional, que tem como expressões morfológicas o Campo das Vertentes e a Serra da Mantiqueira. b) Mapa geológico simplificado com as principais unidades litológicas e estruturas da Faixa Ribeira em Minas Gerais (Confeccionado com base em Pinto & Silva 2014 e Heilbron et al. 2017b).

As rochas do embasamento da Faixa Ribeira são gnaisses e granitos de idades arqueanas e paleoproterozoicas, que se distribuem por uma área relativamente grande no sul do estado (Figura 12). Junto ao limite do Cráton do São Francisco, a sequência exposta de camadas é muito semelhante à formada pelo Supergrupo Espinhaço, Formação Jequitaí e Grupo Bambuí na Bacia do São Francisco e Orógeno Araçuaí. A mais velha das unidades aflorantes, o Grupo São João del Rei, de idade mesoproterozoica e com aproximadamente 1000 m de espessura, é subdividida em quatro formações marinhas, constituídas predominantemente por quartzitos e, subordinadamente, meta-pelitos. As formações também marinhas Carandaí, Barroso e Prados, compostas, respectivamente, por meta-diamictitos (30 m de espessura), calcários (200 m) e filitos (500 m) recobrem o Grupo São João del Rei. Suas idades remontam à Era Neoproterozoica (Ribeiro et al. 2013).

A sucessão de rochas característica do segmento mineiro da Faixa Ribeira é o Grupo Andrelândia. Presente em grande parte da faixa, congrega duas unidades de idades aparentemente bem distintas. A sua porção inferior consiste de gnaisses, xistos e quartzitos, cujas idades ficam no intervalo de 1.000 a 760 milhões de anos. A unidade superior composta por xistos, gnaisses e rochas manganesíferas, é mais jovem que 620 milhões de anos (Paciullo et al. 2000, Ribeiro et al. 2013, Heilbron et al. 2017b).

Em continuidade física com o Orógeno Araçuaí, a Faixa Ribeira dele difere em vários aspectos. As unidades litológicas participantes da faixa estão em grau metamórfico mais elevado e suas estruturas, além de orientação distinta, são muito mais complexas. Juntamente com dobras e falhas de empurrão, tomam parte do seu arcabouço falhas transcorrentes. Estes fatos refletem uma história evolutiva complexa e resultante de múltiplas colisões, que tiveram lugar nos intervalos de 630-620, 620-565 e 535-510 milhões de anos durante o Evento Brasiliano (Heilbron et al. 2017b).

2.3. O Sistema Orogênico Tocantins

O Sistema Tocantins (Almeida et al. 1981, Campos-Neto 2000) em sua maior parte localizado no Brasil central, desenvolveu-se entre os crátons Amazônico, Paranapanema e São Francisco (Pimentel et al. 2004, Dardenne 2000, Valeriano et al. 2004; Figura 3). Em Minas Gerais, ele é representado por parte de um dos seus cinturões externos, a Faixa Brasília, que margeia o Cráton do São Francisco pelo oeste (Figura 5). A parte da Faixa Brasília presente no território mineiro é o seu segmento meridional que, a oeste, é coberto pelas camadas sedimentares da Bacia do Paraná, e a sul, é obliterado pela Faixa Ribeira, como anteriormente mencionado (Valeriano 2017). Sua principal expressão no relevo é a Serra da Canastra e as terras altas que lhe são contíguas ao longo da borda leste do planalto central do Brasil (Figura 13).

Figura 13. a) Modelo digital de terreno da Faixa Brasília Meridional e zona cratônica adjacente em Minas Gerais. b) Mapa geológico simplificado que enfatiza as principais unidades litológicas e estruturas da Faixa Brasília Meridional em Minas Gerais. c) Corte geológico através da parte central da Faixa Brasília (localização indicada no mapa geológico acima). Notar que, mesmo no interior do cráton, as rochas sedimentares foram deformadas e transportadas em direção a leste sobre uma superfície horizontal (Confeccionado com base em Pinto & Silva 2014 e Valeriano et al. 2004).

As unidades litológicas que tomam parte deste segmento da Faixa Brasília são as seguintes (Dardenne 2000, Valeriano et al. 2004, 2017):

  • A associação de rochas gnáissicas arqueanas e paleoproterozoicas do embasamento, cujas idades são superiores a 1,8 bilhões de anos;
  • O conjunto de rochas metassedimentares e meta-ígneas do Grupo Araxá, de idades neoproterozoicas, compreendidas entre 900 e 630 milhões de anos, que contém xistos, gnaisses e quartzitos com intercalações lenticulares de anfibolitos (Seer & Dardenne 2000, Seer et al. 2001, Valeriano et al. 2004);
  • O Grupo Canastra, subdividido em quatro formações de rochas metassedimentares de origem marinha, constituídas predominantemente de filitos e quartzitos. Sua idade, ainda incerta, é atribuída ao Neoproterozoico (Dias et al. 2011);
  • O Grupo Ibiá, constituído por uma formação basal de meta-diamictitos, seguida de uma formação superior composta por filitos com intercalações de quartzitos (Pereira et al. 1994). A formação inferior é neoproterozoica e mais nova que 935 milhões de anos. Já a superior é bem mais jovem. Sua idade máxima é estimada em 635 milhões de anos (Valeriano et al. 2004, Dias et al. 2011).

Além destas unidades metassedimentares, a Faixa Brasília Meridional contém ainda associações de rochas graníticas formadas nos intervalos de 900-850 e 720-670 milhões de anos (Valeriano et al. 2004, 2017). A formação destas rochas antecedeu a colisão que levou ao soerguimento desta porção do Sistema Tocantins, ocorrida por volta de 630 milhões de anos.

Ao longo da Faixa Brasília Meridional, todas as unidades anteriormente mencionadas encontram-se intensamente dobradas e empurradas umas sobre as outras em direção a leste. Todo o conjunto é lançado sobre as camadas também deformadas dos grupos Vazante e Bambuí que formam o preenchimento pré-cambriano da Bacia do São Francisco (Valeriano et al. 2004, 2017; Figura 13c).

Dentre os recursos minerais da Faixa Brasília em Minas Gerais destaca-se a jazida aurífera do Morro do Ouro em Paracatu, que é hospedada em filitos carbonosos do Grupo Canastra (Freitas-Silva et al. 1991, Dardenne & Schobbenhaus 2001).

3. COBERTURA SEDIMENTAR E CORPOS ÍGNEOS FANEROZOICOS

As rochas fanerozoicas ocorrem em Minas Gerais nas bacias sedimentares do São Francisco e do Paraná, e ao longo do Arco do Alto Paranaíba, a grande estrutura, também idade fanerozica, que as separa (Figura 14). Como pode ser visto na Figura 3, a metade sul da Faixa Brasília Meridional se expressa no relevo de Minas Gerais, parte de Goiás e Rio de Janeiro, na forma de um conjunto de terras altas alinhadas na direção noroeste, as quais fazem a divisão tanto das bacias sedimentares, quanto das águas das bacias hidrográficas do São Francisco e do Paraná. Estudos realizados nesta região mostraram que esta estrutura, embora desenvolvida sobre uma zona originalmente montanhosa, tornou-se mais acentuada ainda na segunda metade do Período Cretáceo da Era Mesozoica e foi sítio, na mesma época, de injeções ígneas (Hasui & Haraliy 1991, Campos & Dardenne 1997a).

Figura 14. Mapa geológico simplificado dos terrenos fanerozoicos de Minas Gerais, com as respectivas colunas estratigráficas simplificadas das bacias do São Francico e Paraná. Representam-se também Arco do Alto Paranaíba e as maiores intrusões ígneas cretácicas associadas (Confeccionado com base em Campos & Dardenne 1997b, Sgarbi et al. 2001, Pinto & Silva 2014).

3.1. A cobertura sedimentar fanerozoica da Bacia do São Francisco

Além do grande pacote de rochas sedimentares pré-cambrianas, a Bacia do São Francisco contém sucessões relativamente delgadas de rochas sedimentares formadas na virada dos períodos Carbonífero e Permiano da Era Paleozoica, e no Período Cretáceo da Era Mesozoica.

O pacote de rochas paleozoicas define o Grupo Santa Fé (Campos & Dardenne 1997a, Sgarbi et al. 2001), constituído essencialmente de rochas sedimentares acumuladas por ação direta ou indireta de geleiras, dentre elas tilitos, diamictitos, arenitos e folhelhos (Figura 14), cuja ocorrência é restrita às regiões da cidade de Santa Fé e norte de Pirapora. Com uma espessura máxima de apenas 180 m as camadas do Grupo Santa Fé, preenchem, em vários locais, vales escavados em arenitos da Formação Três Marias do Grupo Bambuí. Nestes locais, o assoalho dos vales é, via de regra, ornamentado por estrias deixadas pela passagem de geleiras carregadas de blocos de rochas. Com esta origem e características, as rochas do Grupo Santa Fé testemunham a longa e vigorosa glaciação ocorrida entre 300 e 260 millhões de anos, que possui notáveis registros na Bacia do Paraná em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, e até mesmo em outros continentes, como África, Índia e Austrália.

A sucessão cretácica da bacia é composta por três unidades, os grupos Areado, Mata da Corda e Urucuia, que ocorrem ao longo de uma faixa meridiana na porção noroeste do estado.

O Grupo Areado (Campos & Dardenne 1997a,b, Sgarbi 2011a), com aproximadamente 300 m de espessura e subdivido em três formações (Figura 14), é composto por conglomerados, arenitos e folhelhos, de origem aluvial e lacustre, capeados por arenitos, cuja deposição deu-se, principalmente, na forma de dunas eólicas. A parte basal do grupo preenche calhas limitadas por falhas normais.

O Grupo Mata da Corda (Sgarbi et al. 2001, Sgarbi 2011b) compreende uma série de rochas vulcânicas, dentre elas derrames, cineritos, brechas e aglomerados de natureza alcalina e ricas em potássio. Estas rochas, formadas ao final do Período Cretáceo, entre 90 e 70 milhões de anos, se associam as intrusões ígneas de mesma natureza descritas a seguir.

As ocorrências de rochas sedimentares cretácicas do norte do estado pertencem ao Grupo Urucuia, que comporta uma sucessão de até 400 m de areias também depositadas pela ação do vento, nos quais se intercalam camadas de areia finas acumuladas em sistemas fluviais (Campos & Dardenne 1997a,b, Sgarbi et al. 2001; Figura 14).

3.2. A Bacia do Paraná

Praticamente toda a região do Triângulo Mineiro é ocupada por uma pequena porção da grande Bacia Sedimentar do Paraná, que se estende por todos os estados do sul do Brasil (Figura 4), além de parte da Argentina, Uruguai e Paraguai (Milani et al. 2007). As principais unidades de preenchimento da bacia aflorantes na região são os grupos São Bento e Bauru, de idades cretácicas inferior e superior, respectivamente. São encontradas também exposições menores dos Grupos Itararé e Passa Dois, de idades permo-carbonífera e jurássica, respectivamente (Seer & Moraes 2017).

O Grupo São Bento é subdividido nas formações Botucatu e Serra Geral. A primeira contém arenitos e, subordinadamente, conglomerados de origem fluvial, cobertos por uma camada de arenitos, cuja deposição se deu na forma de grandes dunas eólicas. No seu conjunto, a Formação Botucatu mostra, na região, espessuras de no máximo algumas dezenas de metros (Barbosa et al. 1970). A Formação Serra Geral é constituída essencialmente por basaltos de granulação fina, que ocorrem nos grandes vales da região e mostram uma grande variedade de feições vulcânicas. Como uma sucessão de lavas extravasadas a partir de grandes fraturas que se abriam na superfície, os basaltos do Triângulo Mineiro podem atingir espessuras de até 260 m (Barbosa et al. 1970, Seer & Moraes 2017).

O Grupo Bauru, do Cretáceo Superior, recobre as unidades anteriormente descritas e é, em Minas Gerais, composto pelas formações Uberaba e Marília. A Formação Uberaba (85 m) consiste de arenitos contendo abundantes fragmentos de rochas vulcânicas, ao passo que a Formação Marília é composta por conglomerados, arenitos calcíferos e argilitos (Hasui 1968, Fernandes & Coimbra 2000, Fernandes & Ribeiro 2015). Essas duas formações correspondem a depósitos aluviais e são ricas em fósseis de plantas e animais. Na Formação Marília, foram encontrados restos fossilizados de dinossauros, crocodiliformes, tartarugas, anfíbios, peixes, moluscos e várias plantas (Ribeiro & Carvalho 2009). A sua ocorrência na região possibilitou a criação de um centro de pesquisas paleontológicas e um museu dedicado aos dinossauros no distrito de Peirópolis da cidade de Uberaba.

3.3. Os corpos ígneos cretácicos

A grande estrutura do Alto Paranaíba (Figura 14) é, ao longo de toda sua extensão, povoada por um grande número de intrusões ígneas, cujas idades concentram-se no intervalo entre 90 e 70 milhões de anos. Elas ocorrem na forma de diques, soleiras e, principalmente, corpos cilíndricos e dômicos de várias dimensões. De acordo com a sua composição, distinguem-se três tipos de corpos ígneos na região: alcalinos, carbonatíticos e kimberlíticos (Brod et al. 2000).

Dentre os corpos alcalinos destaca-se o Complexo de Poços de Caldas localizado junto à fronteira com São Paulo. Ele forma uma estrutura circular de 30 km de diâmetro (Figura 14), constituída por grandes massas de sienitos, às quais se associam intrusões em forma de diques anelares, além de derrames e depósitos de materiais piroclásticos como tufos e brechas (Ulbrich & Gomes 1981). O complexo é hospedeiro de importante mineralização de urânio e contêm ainda depósitos de bauxita, zircônio e molibdênio.

O maior e, do ponto de vista econômico, mais importante corpo cabonatítico da região, é o do Barreiro, localizado próximo à cidade de Araxá. Trata-se de uma intrusão dômica de aproximadamente 5 km de diâmetro de carbonatitos, que perfura quartzitos e xistos do Grupo Araxá. Profundamente alteradas pelos processos do intemperismo, algumas rochas do complexo deram origem a importantes jazidas de nióbio e fosfato (Barbosa et al. 1970, Torres 1996, Dardenne & Schobbenhaus 2001).

Um grande número de corpos kimberlíticos de dimensões métricas foi encontrado ao longo do Arco do Alto Paranaíba. Suas idades variam entre 90 e 80 milhões de anos e alguns deles são diamantíferos (Barbosa 1970, Chaves & Andrade 2010).

4. HISTÓRIA GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS

A história geológica de Minas Gerais é aqui brevemente apresentada na forma de dois capítulos. O primeiro cobre o tempo pré-cambriano, no qual forma-se a crosta continental representada pelas rochas mais antigas do território e que, após vários eventos de adição de novos componentes e reciclagem, é finalmente incorporada no grande continente de Gondwana, ao final da Era Neoproterozoica. O segundo trata dos principais processos que tiveram lugar no Gondwana na sua trajetória pelo globo, incorporação no supercontinente Pangeia, e posterior desagregação na forma dos continentes atuais. Os parágrafos finais deste capítulo referem-se à evolução do território mineiro enquanto parte do então jovem continente sul-americano.

4.1. A história pré-cambriana

Os eventos mais antigos da história geológica de Minas Gerais até agora caracterizados remontam ao Éon Arqueano, especificamente à passagem das eras Paleo a Mesoarqueana, quando se formaram as rochas gnáissicas de 3,2 bilhões de anos expostas na região do Quadrilátero Ferrífero. A este evento seguiram outros que também contribuíram com a geração de complexos gnáissicos em associação com as rochas vulcânicas e sedimentares do Supergrupo Rio das Velhas da mesma região, a 2,90, 2,78 e 2,60 bilhões de anos (Lana et al. 2013, Farina et al. 2016).

É amplamente debatido entre os cientistas que se de dedicam ao tema se os processos geológicos atuantes no Éon Arqueano eram os mesmos que marcam a dinâmica terrestre atual. Ou seja, discute-se quando teve início a tectônica de placas da forma como opera nos dias atuais (vide Brown 2008). Sabe-se que a quantidade de calor emanado do interior do planeta no tempo arqueano era muito superior à atual e também que as massas continentais eram de dimensões significativamente inferiores ao da Terra moderna. Como estes dois fatores têm uma enorme influência nos processos geológicos, é de supor que, no mínimo, uma diferenciação dos processos geológicos deve marcar o Éon Arqueano.

Os autores que estudaram a evolução dos terrenos arqueanos do embasamento do Cráton do São Francisco na região do Quadrilátero Ferrífero postulam que a sua geração e evolução ocorreu através de múltiplas fusões por colisões entre complexos de ilhas vulcânicas – os continentes primitivos -, que terminaram por gerar terras de grandes dimensões ao final do éon. A Figura 15 ilustra esta evolução de acordo com a concepção de Farina et al. (2016).

Figura 15. Evolução arqueana do embasamento do Quadrilátero Ferrífero e adjacências, de acordo com a concepção de Farina et al. (2016). a) Uma série de ilhas vulcânicas em convergência, na qual a litosfera oceânica é consumida. Neste processo, são produzidas fusões em profundidade que geram rochas graníticas, que por sua vez são incorporadas no substrato das ilhas levando ao seu contínuo crescimento. b) A colisão de vários complexos insulares dá origem a massas continentais cada vez maiores. Estas são constituídas pela associação de rochas graníticas e vulcanossedimentares, características dos terrenos arqueanos.

Uma vez formadas grandes as massas continentais, e tendo a Terra experimentado considerável queda do fluxo térmico, os processos geológicos em andamento no início do Éon Proterozoico, especificamente durante a Era Paleoproterozoica, parecem seguir caminhos semelhantes aos atuais. Assim é que, no alvorecer desta era, por volta de 2,5 bilhões de anos, a massa continental que hoje forma o segmento de orientação meridiana do Cráton do São Francisco se desprende de alguma outra maior e se individualiza como um continente.

O processo de desagregação de um continente se inicia com ação de forças distensivas que causam o afinamento localizado da litosfera e a formação de uma depressão, em geral alongada, e limitada por grandes fraturas, ou seja, uma bacia sedimentar rifte. A grande depressão é, então, ocupada por lagos e rios e progressivamente preenchida por sedimentos. A persistência das forças de distensão leva ao limite o afinamento da litosfera continental e, consequentemente, à sua ruptura. O assoalho do rifte passa a ser ocupado por rochas vulcânicas, derivadas de magmas provenientes de grandes profundidades, isto é, por rochas que constituem o assoalho dos oceanos. Geram-se, assim, dois novos continentes separados por um oceano, cujas margens afinadas são ocupadas por bacias sedimentares. Estas bacias de margem continental correspondem a partes dos riftes precursores da ruptura, desta feita cobertas por sedimentos de origem marinha.

A evolução da maior parte do Supergrupo Minas (grupos Caraça, Itabira e Piracicaba) do Quadrilátero Ferrífero, depositada entre 2,6 e 2,3 bilhões de anos, parece ter seguido as etapas evolutivas acima descritas (Figura 16), porém, com uma importante peculiaridade. Por volta de 2,4 bilhões de anos, as águas oceânicas e, posteriormente, atmosfera terrestre, até então destituídas de oxigênio livre, passam a conter este gás em proporções significativas. Caracteriza-se, assim, o episódio conhecido como o “grande evento da oxigenação terrestre (Holland 2006), que teve grande impacto nos processos geológicos e no curso da evolução dos seres vivos. O Supergrupo Minas contém um testemunho deste processo, que é justamente a sua camada-guia, a Formação Ferrífera Cauê (Figura 7). A deposição de grandes volumes de óxidos de ferro no Período Sideriano da Era Paleoproterozoica, registrada por esta formação e muitas outras presentes nos mais diversos continentes, requer um ambiente oxidante. Como produto de enorme e persistente atividade de micro-organismos que faziam fotossíntese, o oxigênio foi progressivamente introduzido no ambiente marinho, levando a oxidação e precipitação do ferro que até então era abundante e mantido em solução nas águas oceânicas.

Figura 16. Evolução paleoproterozoica de Minas Gerais ilustrada pela formação da bacia de margem continental Minas, hospedeira do supergrupo homônimo e sua posterior conversão em um sistema orogênico durante a formação do continente São Francisco-Congo. a) O bloco continental correspondente ao núcleo mais antigo do Cráton do São Francisco tem a sua margem afinada coberta pela Bacia Minas e separado do núcleo do mais antigo do Cráton do Congo por um oceano. b) O progressivo fechamento do oceano faz com que a Bacia Minas passe a ser uma margem continental convergente sob a qual a crosta oceânica passa a se também consumida. c) Da colisão entre os núcleos cratônicos forma-se São Francisco-Congo e uma cadeia de montanhas de grandes proporções. As rochas do Supergrupo Minas são deformadas e metamorfisadas neste processo (Confeccionado com base em Aguillar et al. 2017).

Ainda durante a Era Paleoproterozoica, na passagem do Período Rhyaciano ao Orosiriano, o continente que tinha na sua margem a Bacia Minas colide com outro, hoje representado pelo substrato do grande Cráton do Congo da África ocidental e central (Figura 16). Desta colisão resulta um sistema montanhoso do qual tomaram parte as margens dos núcleos dos crátons do São Francisco e do Congo, além de ilhas vulcânicas e microcontinentes que existiam no oceano que os separava. Forma-se assim um novo continente, que na literatura brasileira tem sido chamado de São Francisco-Congo. Durante a convergência dos núcleos cratônicos e após a sua colisão, depositam-se, respectivamente, as camadas dos grupos Sabará e Itacolomi, expostos no Quadrilátero Ferrífero (Figura 16) (Aguilar et al. 2017, Alkmim & Teixeira 2017, Heilbron et al. 2017c).

Sabe-se que ao final da Era Paleoproterozoica, entre 1,8 e 1,6 bilhões de anos, várias terras então existentes convergiram e se aglutinaram em um supercontinente, o Columbia (Rogers & Santosh 2009, Evans 2013). Teria São Francisco-Congo tomado parte de Columbia? Não há uma resposta definitiva sobre esta questão, mas, por exemplo, os autores D´Agrella-Filho & Cordani (2017) advogam que não. Eles postulam que São Francisco-Congo, juntamente com outras partes dos atuais América do Sul e África constituíram uma massa continental à parte. Integrante de Columbia ou não, certo é que não foram encontradas evidências de que São Francisco-Congo tenha se envolvido em colisões, desde a sua aglutinação ao final da Era Paleoproterozica e por toda a Era Mesoproterozoica.

Durante aproximadamente 1 bilhão de anos entre o final da Era Paleoproterozoica e início da Era Neoproterozoica, não se verificaram mudanças de vulto no curso da evolução biológica. Por esta razão, este intervalo de tempo é designado por paleontólogos e geólogos como o “o bilhão da estagnação” (tradução livre de “the boring billion”). Durante o “bilhão da estagnação” o cráton São Francisco-Congo foi submetido a vários eventos de formação de bacias sedimentares. O registro destes episódios de rifteamento é encontrado na espessa sucessão estratigráfica do Supergrupo Espinhaço, que como anteriormente mencionado, está presente no Orógeno Araçuaí e na Bacia do São Francisco.

O final da Era Mesoproterozoica, a 1,0 bilhão de anos, é marcado pela formação de um novo supercontinente chamado Rodínia. Porém nenhum vestígio de colisão a este tempo foi encontrado em São Francisco-Congo, que pode não ter sido incorporado no supercontinente (como argumentam vários autores, entre eles D´Agrella-Filho & Cordani 2017), ou ter nele ocupado uma posição interior e distante de margens convergentes.

A entrada na Era Neoproterozoica continua assinalada pela atuação de forças distensivas em São Francisco-Congo. Persistem, nos períodos Toniano e Criogeniano desta era, eventos de rifteamento. No curso deles, São Francisco-Congo perdeu parte de sua massa e tornou-se, em grande parte, limitado por bacias de margem continental. O segmento litosférico correspondente ao Cráton do São Francisco e suas margens torna-se uma península, conectada ao continente do Congo por uma estreita faixa de terra (Figura 17). Entre a península São Francisco e o continente desenvolveu-se um grande golfo, a Bacia Macaúbas, que recebeu o preenchimento das formações glaciogênicas do grupo de mesmo nome (Pedrosa-Soares et al. 2007, Alkmim et al. 2017; Figura 17).

Figura 17. Evolução de São Francisco-Congo durante a Era neoproterozoica. a, b) Sucessivos eventos de rifteamento terminam por gerar a grande bacia Macaúbas separando a península do São Francisco do continente do Congo. Nela são depositados por ação glacial os sedimentos do Grupo Macaúbas. c) Fecha-se a Bacia Macaúbas e ocorre nova colisão entre São Francisco e Congo, o que dá origem ao grande sistema montanhoso Araçuaí (Confeccionado com base em Alkmim et al. 2017).

Sabe-se que, durante a Era Neoproterozoica, a Terra passou por várias épocas de clima extremamente frio. É possível até mesmo que, durante duas destas épocas, a primeira delas a 740 milhões de anos, e a segunda a 635 milhões de anos, o planeta tenha ficado integralmente revestido por uma camada de gelo, tornando-se assim uma “bola de neve” (Hoffman & Schrag 2002). Os sedimentos glaciogênicos da Formação Jequitaí e do Grupo Macaúbas, depositados, respectivamente, na península São Francisco e no golfo Macaúbas, registram uma destas vigorosas idades do gelo. Qual exatamente não se sabe, pois, até o momento, as suas idades não puderam ser determinadas com precisão.

O Período Ediacarano é novamente um tempo de convergência de placas e colisões. Aproximam-se e colidem com São Francisco-Congo a Amazônia, África Ocidental, Borborema e Paranapanema. As margens destes continentes, profundamente deformadas, metamorfisadas e até mesmo parcialmente fundidas pela ação do calor gerado durante as colisões, convertem-se nos sistemas orogênicos brasilianos. As suas partes internas, que muito pouco ou nada sofreram durante as colisões, são representadas pelos crátons da América do Sul e da África (Cordani et al. 2000, Brito Neves et al. 1999, Almeida et al. 2000, Schobbenhaus & Brito-Neves 2003; Figura 18). Este evento, designado Brasiliano-Panafricano, tem equivalentes em vários outros continentes. No seu curso, várias outras placas continentais convergiram e fundiram-se no grande continente de Gondwana, que reunia as atuais América do Sul, África, Antártida, Índia e Austrália (Figura 18).

Figura 18. a) Reconstrução esquemática do continente de Gondwana, aglutinado durante o final da Era neoproterozoica. b) Representação esquemática das placas que colidiram para formar o Gondwana Ocidental, isto é, América do Sul e África. As partes maiores e internas das antigas placas Amazônia, Paranapanema, São Francisco Congo e Kalahari correspondem aos principais crátons da América do Sul e da África. As suas margens deformadas e metamorfisadas foram os sistemas orogênicos brasilianos e panafricanos.

As zonas orogênicas Brasília, Araçuaí e Ribeira que limitam o Cráton do São Francisco no território mineiro refletem, portanto, a formação do Gondwana durante o Período Edicarano. A Faixa Brasília, como parte externa do grande sistema Tocantins, é produto da interação entre Paranapanema, São Francisco-Congo e Amazônia. Na formação da Faixa Ribeira, interagiram São Francisco-Congo, Paranapanema e um sistema de ilhas vulcânicas localizado no chamado Oceano Adamastor que os separava. Já o Orógeno Araçuaí resultou do fechamento do grande golfo Macaúbas, comprimido entre a península São Francisco e o continente do Congo (Figura 17). Estas zonas continentais, antes altas e emersas, são agora circundadas por cadeias de montanhas. Tornam-se, portanto, terras baixas e passam a receber sedimentos derivados orógenos adjacentes. Acumulam-se, assim, os sedimentos do Grupo Bambuí no Cráton do São Francisco, então convertido na bacia homônima, que progressivamente é assoreada (Alkmim & Martins-Neto 2001, Reis et al. 2017).

4.2. A história fanerozoica

No alvorecer do Éon Fanerozoico, o Gondwana, ainda sujeito às últimas manifestações dos eventos orogenéticos, passa a derivar e a descrever uma grande rotação em torno do polo sul. Durante a Era Paleozoica, recebe adições que constituem a Patagônia e parte considerável dos Andes atuais. Experimenta também duas glaciações. Ao final da era, se junta à Laurásia, outra massa continental gigante, composta pelas atuais América do Norte e Ásia. Desta junção nasce Pangeia (Figura 19), o supercontinente que reuniu todas as placas continentais então existentes numa peça única.

Figura 19. a) Reconstrução da distribuição dos continentes pelo globo por volta de 240 milhões de anos, quanto todos estavam reunidos na Pangeia e circundados pelos oceanos Pantalassa e Tethys. b) A Pangeia em desagregação em uma reconstrução relativa ao final do Período Cretáceo. O Gondwana Ocidental já se encontrava desmembrado na América do Sul e África. (Nestas Figuras, para referência, o contorno dos continentes é marcado pelas linhas pretas e suas áreas emersas em amarelo claro. Confeccionado com base em Scotese 2010).

Uma das glaciações que afetaram o Gondwana tem testemunhos em Minas Gerais. Trata-se do Grupo Santa Fé da Bacia do São Francisco, que contem depósitos de geleiras. Isto significa que o território mineiro esteve, na passagem do Período Carbonífero ao Permiano, em latitudes baixas o suficiente para estar coberto por gelo.

A Era Mesozoica é marcada por grandes transformações globais. A mais importante delas é a desagregação da Pangeia, que desencadeada ao término do Período Triássico, já estava bastante avançada no Período Jurássico na parte correspondente à Laurásia. A desagregação da Pangeia leva à geração dos continentes e oceanos atuais (Figura 19). A América do Sul e África, unidos desde o fim do pré-cambriano no Gondwana Ocidental, iniciam a sua separação no Período Cretáceo, por volta de 125 milhões de anos.

Antes do processo de fragmentação da Pangeia ser levado a termo, a sua parte correspondente ao Gondwana Ocidental sofre um severo processo de desertificação. Desenvolve-se, assim, no Período Cretáceo Inferior, o deserto Botucatu. De proporções saharianas, ocupava toda a Bacia do Paraná, isto é, as áreas dos atuais estados do sul do Brasil, além de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, avançando ainda pelos territórios do Uruguai, Argentina e Paraguai (Assine et al. 2004).

Como uma primeira manifestação do processo de desagregação da Pangeia, a região do Gondwana Ocidental hoje representada pela Bacia do Paraná e por parte do território da Namíbia, na África, foi palco de um gigantesco derrame de lavas basálticas. Por volta de 134 milhões de anos, o grande deserto Botucatu passou a ser invadido por lavas extravasadas ao longo de grandes fendas que se abriram na crosta. Uma pequena parte destes derrames, que caracterizam a Formação Serra Geral, pode ser encontrada, tanto intercalada como sobreposta às areias do deserto Botucatu no Triângulo Mineiro (Seer & Moraes 2017).

O nascimento da América do Sul pelo desmembramento final da Pangeia é levado a efeito ao longo de um enorme sistema rifte, hoje partido em dois e soterrado nas margens continentais sul-americana e africana do Atlântico Sul (Mohriak 2003). A distensão a que foi submetido o Gondwana Ocidental ainda como integrante da Pangeia manifestou-se também no território mineiro. Na metade inferior do Período Cretáceo, formou-se na Bacia do São Francisco uma série de depressões interconectadas e limitadas por falhas, no interior das quais se depositaram, em condições de clima árido, os cascalhos e areias da base do Grupo Areado (Sgarbi et al. 2001). A sedimentação nestes sítios prosseguiu, mesmo com o cessar da distensão. Foram depositadas então as areias da porção superior do Grupo Areado.

Na metade superior do Período Cretáceo, desenvolve-se a grande estrutura do Arco do Alto Paranaíba (Hasui & Haraliy 1991, Campos & Dardenne 1997a). No decorrer do seu soerguimento, o arco é atravessado por uma série de injeções magmáticas alcalinas, carbonatíticas e kimberlíticas que se manifestaram em superfície na forma de vários vulcões. Lavas, bombas, lapilli e cinzas por eles emitidas se dispersaram por uma boa parte da porção sudoeste da Bacia do São Francisco constituindo o Grupo Mata da Corda. Simultaneamente, na porção norte da bacia, predominava o clima árido. Acumulavam-se ali as areias eólicas do Grupo Urucuia. Do outro lado do arco, na Bacia do Paraná, depositaram-se os sedimentos de derivação vulcânica da Formação Uberaba, seguidos dos depósitos aluviais da Formação Marília. Habitavam ambas as bacias, dentre vários outros animais, dinossauros, crocodiliformes e quelônios.

A América do Sul, completamente individualizada ao final da Era Mesozoica, passa se afastar cada vez mais da sua contraparte africana. A expansão do Atlântico Sul de um lado e o consumo da placa do Pacífico do outro submetem a América do Sul à ação de forças compressivas praticamente durante toda a Era Cenozoica. Porém, por um curto intervalo de tempo durante o Período Paleógeno, esforços distensivos passam atuar sobre o continente. Promovem-se, assim, a formação de bacias rifte no seu interior (Almeida 1976, Riccomini et al. 2004) e a modificação das bacias da margem leste brasileira. Em Minas, este evento foi responsável pela formação de algumas pequenas bacias, preenchidas por sedimentos aluviais e lacustres e preservadas na região do Quadrilátero Ferrífero e vale do Rio Doce. Findo este episódio, cujas causas ainda estão por ser decifradas, o território mineiro experimenta grandes variações climáticas e um continuado processo de erosão que persiste até os presentes dias.

Embora aqui muito brevemente apresentada, a história geológica de Minas Gerais envolve praticamente todos os episódios importantes da evolução do território brasileiro não amazônico. A exceção ao Cráton Amazônico é feita por ser a sua evolução pré-cambriana bastante distinta do restante do Brasil (Schobbenhaus & Brito Neves 2003, Brito-Neves et al. 1999). Com a sua grande diversidade, Minas Gerais sintetiza, portanto, a geologia do Brasil não amazônico.

Assentado sobre um substrato de terrenos pré-cambrianos estabilizados desde o Éon Proterozoico, e localizado bem distante de margens de placas, o território mineiro, como também o brasileiro como um todo, deveria ser totalmente isento de atividade sísmica. E assim foi visto, até recentemente. A expansão da atividade humana no território e o recente estabelecimento de uma rede sismográfica mais abrangente no Brasil levaram ao registro de um número considerável de terremotos no estado, ainda que de baixa magnitude e de potencial relativamente baixo de danos, bem como a uma revisão do risco sísmico do país (Assumpção et al. 2014). Como mostra a Figura 20, existem em Minas Gerais pelo menos três zonas com concentração de terremotos: a primeira instala-se sobre o Arco do Alto Paranaíba; a segunda estende-se na região do Quadrilátero Ferrífero, no rumo sudoeste até encontrar o Alto Paranaíba, e a terceira fica na região de Montes Claros.

Figura 20. Mapa de distribuição dos epicentros de terremotos ocorrido na região sudeste do Brasil até 2015. Os diâmetros dos círculos que marcam os epicentros são função da magnitude (energia) dos terremotos. Zonas sísmicas de Minas Gerais: AAP Arco do Alto Paranaíba; QF Quadrilátero Ferrífero; MC Montes Claros. (Fonte: IAG-USP 2015).

A ocorrência de terremotos nestas áreas decorre de situações como a atualmente vivida pela América do Sul, que balizada pela expansão do Atlântico de um lado e consumo do assoalho do Pacífico do outro, é integralmente submetida a um regime de forças compressivas. Nestas condições, os terrenos antigos e rígidos do Brasil transmitem tensões e concentram-nas em “defeitos” que possuem. Velhas zonas de fraqueza existentes no interior continental funcionam como “cicatrizes” da crosta. Muitas delas se rompem e os terremotos são desencadeados.

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